Por Moncorvo têm passado muitos vigaristas, de todos os tipos e feitios, para além dos que exercem a vigarice institucionalizada. Então não será uma porca de vigarice cortarem nas pensões, subsídios de férias e de Natal a quem tem tantas dificuldades e deixarem fugir os vigaristas que se abotoaram com milhões que nós temos de pagar?
Vou falar dos vigaristas que trabalham por conta própria. Há alguns cujas vigarices deixam pessoas incautas muito lesadas. Não gosto deles. Há outros , mais astutos, que preferem lesar os gananciosos e depois o povo até diz “foi bem feito” . E há aqueles que ficam na memória pela ousadia, inteligência e até por uma boa dose de imaginação. São as histórias destes últimos que me regalam. Diria até que me fascinam. Vou contar-vos uma destas.
Quando se deu inicio à construção da barragem do Pocinho, era o Engº Ramiro Salgado, pessoa muito conceituada em Moncorvo, encarregado da empresa Somague. Um fim de semana veio à vila acompanhado de um colega que apresentou em Moncorvo como Engenheiro representante da Efacec. E nas conversas de café, tudo começou a girar à volta do Sr.Engenheiro da Efacec.
- Então, Sr. Engenheiro, a Efacec também vem trabalhar para a barragem do Pocinho ? perguntava um dos comerciantes da nossa praça, a pensar já em ganhos chorudos.
- Conte comigo. Tenho os melhores materiais de construção da vila. Não vai uma cervejinha?
- Agradeço, mas agora só um golinho de whisky, para acompanhar o café.
- O´pá, traz daí um whisky do bom aqui pro’ sr. Engenheiro.
Daí a duas horas era outro comerciante a oferecer os seus préstimos: materiais e, acima de tudo, o seu saber (ainda se não dizia “know-how” ), a sua experiência no ramo, a sua mais-valia.
Nesse jantar, bem comido e bem bebido, o Sr.Eng.º da Efacec, evidenciou conhecimentos técnicos, discutiu sobre o país e a sua economia, e os quatro comerciantes moncorvenses à roda da mesa ouviam-no embasbacados. Já completamente seduzidos pela conversa tão científica, tão culta, do sr. Eng.º da Efacec, este tirou da carteira um papel e, com movimentos lentos, bem estudados, mostrou-o aos seus futuros parceiros nos lucros das sub-empresas que iam criar: 40 mil contos ! Não era dinheiro de tremoços. Era um cheque visado de QUARENTA MIL CONTOS ! Era uma pipa de massa. Qual quê? Era um tonel de massa. E os comerciantes moncorvenses trocaram olhares que disseram : “Temos aqui uma fonte de rendimentos”.
- A chatice é que hoje é Sexta-feira e já não posso depositar o cheque no banco. Só na Segunda isso vai ser possível. Agradecia que um dos senhores pagasse o meu jantar. Na Segunda-feira...
- Nem se fala mais no assunto. Eu pago – disse um.- Nada disso. Quem paga sou eu.
- Ora, ora, meus amigos. Ninguém vai discutir por causa de um jantar. Vamos combinar o seguinte: no Sábado e Domingo, os senhores pagam as minhas depesas. Na Segunda prometo pagar com juros.
Entre risos e mais uns copinhos de bom whisky regressaram a Moncorvo.
E o Camané continuou:
- Eu tinha uns 18 anos e lembro-me dele no restaurante“O Passarinho”. Era Sábado. Ao almoço aquilo estava sempre cheio. Nesse Sábado rebentava pelas costuras. Enquanto vinham os cafés, os conhaques e os whiskies (licores para as senhoras) o nosso eloquente engenheiro palestrava para os comerciantes - já todos seus amigos - para os engenheiros da barragem e para quem quisesse ouvi-lo. O gajo até falava bem. E mais: a sua postura cativava. Eu tinha 18 anos e confesso que também fiquei preso pela faladura do tipo. A dada altura vieram as anedotas, os ditos com piada e o Sr. Engº da Efacec lançou um problema :
“De pontos opostos, dois carros partem ao mesmo tempo, ao encontro um do outro. Têm de percorrer a distância de 100Km. Um deles anda a 50Km /h ; o outro anda a 100km/h . Quando se cruzam qual dos carros está mais perto do destino: o que anda a 100km/h, ou o que anda a 50km/h ?”
- Então desenrolou-se a cena mais surrealista que alguma vez presenciarei na minha vida: postado num canto da sala, estava o Sr. David, empregado do Sr. Campos, proprietário do restaurante; no outro canto estava um Engº que trabalhava para a Somague na barragem do Pocinho. O Srº Campos deu o sinal da partida e os dois homens caminharam um ao encontro do outro. Ora, o sr. David arrastava os pés. Quando se cruzaram, pararam e perguntaram quem era que estava mais perto de um determinado canto. O Sr.David só tinha andado um metro, enquanto o outro tinha andado o triplo. O Sr. Engº da Efacec ria que nem um perdido e toda a gente ria ás gargalhadas .
E eu contei esta cena, para mostrar que o homem era de facto cativante. Os comerciantes estavam rendidos . Tudo o que ele dissesse era feito na hora.
Na 2ªfeira, o Sr. Engenheiro pediu a um dos comerciantes amigos para o acompanhar ao banco . Depositou o cheque mas, como a quantia era enorme, só lhe seria dado o dinheiro daí a alguns dias. Provavelmente daí a uma ou duas semanas. Almoços e jantares continuaram na forma habitual.
E foi assim que os comerciantes começaram a cumprir as ordesns do Sr. Engº da Efacec : um enviou um telegrama a encomendar largas centenas de fatos-de-macacos que iriam ser precisos para os muitos trabalhadores que a Efacec ia contratar; outro comprou todos os bidões de óleo nas garagens da vila e arredores para o vender mais caro para as obras da barragem; outro fez uma encomenda de milhares de parafusos enormes com rosca para a esquerda; ainda outro, dono de uma loja de artigos eléctricos, encomendou milhares de peças à Efacec, porque iria ter grandes descontos e bónus. Todos estavam à espera de lucros enormes.
Esta lufa-lufa ainda durou uns dias.
Foram contratados cinquenta homens para trabalhar para o tal Sr. Engenheiro. Não sabiam para o que iam, mas que era muito bem pago, lá isso era. Os trabalhadores seriam transportados para a barragem do Pocinho no autocarro da empresa “Santos”. O trabalho começaria numa segunda-feira e o pessoal contratado tinha que estar na Praça Francisco Meireles às 7h. Estavam todos lá, o autocarro e as 50 pessoas, mas do tal Engº nem a sombra. Nunca mais se ouviu falar dele.
e ... sumiu |
O bendito do cheque visado de 40 mil contos não chegou a ser levantado. Primeiro, porque o Banco não tinha esse montante; segundo, porque o Sr. Eng.º nunca foi localizado. Dupla maré de sorte: do Banco, pois seria com certeza o assalto do século em Moncorvo; do engenheiro, porque se divertiu à grande e à borla. Comeu, bebeu, pernoitou e ... sumiu, evaporou.
O Camané contou, a Júlia escreveu.
Leiria, 21 de Nov.º , 2011
Júlia Ribeiro
Postado em 30/11/2011
Postado em 30/11/2011
ESTA É UMA ESTÓRIA DO CARAÇAS !!!!
ResponderEliminareheheheheh !!!!!!!!!
Cum raio ! Parece que os portugas até gostam de ser enganados. Para não dizer uns palavrões que aqui ficavam mal.
ResponderEliminarCarlos Sousa
Recordo-me muito bem desta estória. Mas houve um homem, que eu sempre considerei muito inteligente, que desconfiou do tal engenheiro. Disto, talvez pouca gente se recorde. Esse homem era o Engº Gabriel David Monteiro de Barros.
ResponderEliminarJoaquim Carvalho Milheiro
É por estas e por outras, que a nossa VILA parou no tempo, acreditam em tudo....gente boa sem pingo de maldade.
ResponderEliminarMinha Nossa! A estoria tá um barato. Me ri até chorar. Mas tava na cara que era tudo bué de vigarice. Minha Nossa, tava na cara memo.
ResponderEliminarBrasuca
Alguma sim, era gente boa sem pingo de maldade, mas outros foram enganados por ganância. Havia e há de tudo.
ResponderEliminarDizem que anda meio mundo a enganar outro meio, mas eu acho que são quatro quintos a esganar os mais pobres que não entendem as promessas bonitas e falinhas mansas e pensam que é tudo verdade. Como os Moncorvenses que foram borlados e calaram muito caladinhos e hoje continuam a ser intruijados e a calar muito caladinhos porque podem perder a porra do empreguito ou a porcaria da esmola.
O Zita de Mirandela usava a mesma ganãncia do ganho facil com o guarda-chuva e as pirulitas pelas festas e feiras no verão e este eng. usou o mesmo isco, apenas mais sofisticado.Ainda há dias li um papel em Moncorvo que anunciava alugar quartos só a professores e de sexo feminino,continua a ser uma barragem depois o Moncorvo desse tempo....tmb já conhecia esta estória
ResponderEliminar...mas gostei de a recordar.
Ainda bem que alguem se lembrou desta história, já ia ficando no esquecimento.
ResponderEliminarVigaristas poiem-me fora de mim. Mas esta dos parafusos com rosca ao contrário tem requintes de imaginação e malvadez.
ResponderEliminarA.C.J.
Essa vigarice foi muito falada na vila. Mas eu só soube dos calotes que o homem deixou. Não sabia que ainda gozou com a malta toda.
ResponderEliminarZé do Carrascal
HÁ um ditado em Abrantes que diz:Se não roubas ou não herdas se julgas que ficas rico és um merdas.
ResponderEliminarO engenheiro era de Lisboa e foi divertir-se prás berças, o senhor engenheiro Sócrates é das berças e foi divertir-se para Lisboa.É a nossa roleta russa.
ÓH Camané! isto foi uma EFACECA!O banco era o Ultrmarino?com o cheque podiam ter deitado o mamarracho abaixo.As porcas gostaram dos parafusos com a rosca ao contrário?
Berrão
Cuidado pessoal com obras em duas barragens ainda aparecem dois engenheiros.Grande texto.Conseguir rir das nossas misérias é o máximo.
ResponderEliminarIsto dava uma "revista" à portuguesa do catantcho,já a estou a ver no CELEIRO .Casa cheia.
Apoio a ideia do Anónimo das 18.49. Apresente-se o La Feria moncorvense. O Celeiro vai encher várias vezes.
ResponderEliminarUma Leitora
Olá Dra. Júlia!A sua "estória"fez-me rir.Já agora permita-me uma pergunta:
ResponderEliminarSerá que esse sr. engenheiro também era um desses que se dizem Transmontanos e nos andam a "deslustrar"?Um bj de gratidão e carinho pelo comentário que fez ao meu texto.Irene
Olá, Amigos , Blogueiros e comentadores:
ResponderEliminarNo meio das crises de toda a forma e feitio, o Camané vai-nos contando umas estórias com todos os ingredientes para uma boa gargalhada.
Obrigada a todos pelas vossas palavras amigas.
Um obrigada muito especial à Ireninha , retribuo o beijinho , e aquilo que eu disse sobre o seu texto é mais que justo . E tire para lá o Dra. , se faz favor.
Abraços
Júlia
Olá, Amigo Camané, venha daí deixar um comentário aos comentários.
Olá Julinha! este texto passou-me.
ResponderEliminarO que eu me estou a rir com isto tudo!
Bijinho,
Tininha
Olá, Tininha:
ResponderEliminarAinda bem que se divertiu com a estorinha do vigarista, contada pelo Camané.
Beijinhos,
Júlia
Então pergunto eu na minha simplicidade...ninguém tirou satisfações com o Engº Ramiro Salgado?,uma vez que foi ele que o apresentou a Moncorvo?...ou ainda ninguém se lembrou de colocar esta questão?. Eu gosto muito pouco que se goze com os Moncorvenses,eu na altura era um puto,devia ter 5 ou 6 anos,mas hoje com 43 anos,custa-me de igual forma que se goze com os Moncorvenses,disse
ResponderEliminarLeonel Serra (filho)