CLÁUDIA CARVALHO e LUSA 19/06/2013 - 10:49 (actualizado às
13:08)
Organização não vê em perigo a classificação do Douro, mas
recomenda medidas de salvaguarda.
O Comité Mundial da UNESCO aprovou, no Camboja, o projecto de
deliberação que compatibiliza a Barragem de Foz Tua com o Douro Património
Mundial, mas exige medidas de salvaguarda.
Para Ana Paula Amendoeira,
presidente do Icomos/Portugal, a ONG que aconselha a UNESCO em matéria de
património cultural, esta não é uma decisão surpreendente. "Nada disto é
novidade, a decisão segue o curso normal daquilo que vem sendo este
processo", diz ao PÚBLICO a especialista, não deixando de lamentar a
aprovação da barragem. "É uma decisão política, que nos ultrapassa por não
ser baseada em pareceres técnicos e científicos."
Em 2011, o Icomos publicou um relatório em que concluía que a construção da
barragem de Foz Tua provocaria um “impacto irreversível” e ameaçaria “o VEU
(Valor Excepcional Universal) da região”, defendendo assim que a obra não era
compatível com a manutenção do estatuto de Património da Humanidade ao Alto
Douro Vinhateiro. Mais tarde, na sequência da missão de inspecção ao Tua, em
Julho e Agosto de 2012, assumiu com o Comité do Património e com a IUCN,
consultora da UNESCO para o património natural, uma posição conjunta mais
contemporizadora.
"Continuamos a rever-nos e a identificar-nos com o parecer
do Icomos, mesmo depois da missão da Unesco as alterações que foram feitas não
alteraram a substância para podermos mudar a nossa posição", explica Ana
Paula Amendoeira, que não tem dúvidas de que esta construção "vai afectar
o bem".
Para o Governo é uma vitória, atesta a especialista. "Era
um objectivo, o Governo tem estado a trabalhar nesta posição", diz,
garantindo que agora não há nada que o Icomos possa fazer. "Nós já demos a
nossa contribuição com a elaboração de relatórios e pareceres. O comité é que
decide, é soberano", acrescenta.
João Branco, vice-presidente da Quercus - Associação Nacional de
Conservação da Natureza, vai mais longe e acredita que a decisão esta
quarta-feira anunciada "comprometerá não só o Douro como todo o Património
Mundial". "É uma decisão vergonhosa e que envergonha a própria
Unesco", reagiu ao PÚBLICO João Branco, defendendo que "ficou provado
que quem manda na Unesco são os governos, são eles que a financiam".
"Ainda acreditei que pudessem decidir em contrário e por isso sinto-me
desiludido, foi um erro ter confiado na Unesco", continua o
vice-presidente da Quercus. Acrescenta: "Os governos ficaram agora a saber
que podem fazer o que quiserem com o Património Mundial".
Em reacção, a Plataforma Salvar o Tua - Associação de Defesa do
Ambiente, anunciou que vai recorrer aos tribunais para travar a construção
daquele empreendimento hidroeléctrico. Em comunicado de imprensa, a associação
considera "lamentável" a decisão da Unesco, justificando que
"não obstante o Comité do Património Mundial da Unesco ter exigido medidas
de salvaguarda, estas não serão suficientes para reparar os danos irreversíveis
que a barragem irá provocar no Vale do Tua e no Alto Douro Vinhateiro".
No mesmo comunicado, a Plataforma Salvar o Tua escreve ainda que
foram enviados dois relatórios à comissão, um em Agosto de 2012 e outro no mês
passado, que comprovam que "as medidas agora propostas são completamente
ineficazes". "O dossiê Douro foi levado a votação novamente este ano,
tendo sido ignorados os dois relatórios enviados que comprovam que a construção
desta barragem afecta de forma irreversível o Alto Douro Vinhateiro,
destacando-se, a título de exemplo, a situação do paredão da barragem que
representa um grande impacto sobre a paisagem e o enterramento da central ser
uma medida irrelevante, ou a ausência de estudos que demonstrem o risco de
alteração climática que pode afetar a produção dos vinhos do Douro e
Porto", conclui a associação.
O Comité Patrimonial da Organização das Nações Unidas para a
Educação, Ciência e Cultura, que está reunido no Camboja, desde segunda-feira e
até dia 27, analisou o dossier Douro novamente este ano e levou-o à votação,
depois de, no ano passado, ter estado em cima da mesa a suspensão das obras em
Foz Tua. Na altura, o comité aceitou a proposta do Governo português para um
abrandamento do ritmo de construção do empreendimento.
Agora, o projecto de deliberação foi aprovado sem discussão,
concluindo que a barragem “não afecta de forma irreversível” o Alto Douro Vinhateiro
(ADV), podendo a obra prosseguir com algumas salvaguardas.
Por exemplo, a organização pede ao Governo para concluir o plano
de gestão do bem classificado, bem como informações sobre o Estudo de Impacto
Ambiental (EIA) da Linha de Alta Tensão, pedindo que a documentação seja
enviada até 1 de Setembro e antes de qualquer decisão sobre o traçado.
A UNESCO pede ainda que sejam suspensas as escavações no canal
de navegação do rio Douro, até que sejam concluídos os estudos hidráulicos, e
que seja garantida a estabilidade operacional da entidade responsável pela
manutenção do ADV, que é a Estrutura de Missão do Douro (EMD).
Já em Maio, a ministra da Agricultura, Assunção Cristas, se
mostrava satisfeita com esta informação enviada pela UNESCO ao Estado, referindo
ainda que a organização recomenda a Portugal que “mantenha o nível abrandado
das obras”.
A barragem, concessionada à EDP, começou a ser construída há
dois anos, ficando a conclusão da obra adiada para meados de 2016 por causa do
abrandamento imposto pela UNESCO.
Joanaz de Melo, do Grupo de Estudos de Ordenamento do Território
e Ambiente (GEOTA) que integra a Plataforma Salvar o Tua, lamentou à Lusa a
aprovação desta proposta de resolução que diz ser baseada em “informação falsa
enviada pelo Estado português à UNESCO”.
Esta plataforma, que junta nove associações ambientais e uma
quinta de produção vinícola, enviou uma nova queixa ao organismo refutando as
medidas de mitigação anunciadas pelo Estado português e que, segundo Joanaz de
Melo, são “totalmente ineficazes”.
O responsável acusou a UNESCO de “politicamente ignorar” um
conjunto de situações denunciadas como o paredão da barragem representar “o
grande impacto” sobre a paisagem e o enterramento da central “ser irrelevante”,
ou a “falta de estudos” sobre o risco de alteração climática afectar a produção
dos vinhos do Douro e Porto.
Joanaz de Melo anunciou que, nos próximos dias, a plataforma vai
colocar um processo em tribunal para parar as obras da Barragem de Foz Tua, a
qual considera ser “um verdadeiro crime contra o património, o ambiente e o
desenvolvimento local”.
Referiu ainda que vão continuar a ser desenvolvidas acções para
chamar a atenção da opinião pública nacional e internacional para a forma
“inadmissível como o processo tem estado a ser tratado quer pelo Estado
português quer pela própria UNESCO”.
PÚBLICO online 19/06/13
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