Prometi contar-vos mais um
episódio da estória do Guga, mas, ou por questões de saúde, melhor dizendo, por
falta dela, pelo tempo que a netita me ocupa – isto diz a avó babada , pois a
miúda é a minha grande companhia -- ou porque me ponho a vender água sem
caneco, a verdade é que só hoje vou continuar a falar-vos do Guga.
Quatro anos após ter dado o
“cão de guerra” , o meu marido adoeceu gravemente, mandou chamar os parceiros
da caça e distribuiu entre eles os
outros cães. Penso que eram quatro : um
podengo português e três “ épagneul-breton”.
Todos com pergaminhos e todos muito bons na caça. A despedida dos cães foi uma
cena de arrepiar.
O meu marido faleceu pouco
depois. Por muito que custe, há que seguir em frente, porque há filhos e netos
e porque a vida, mal ou bem, tem de continuar.
Passados cerca de dois meses comemorava-se o 25 de
Abril, e o amigo de Valado dos Frades
(em cuja quinta o Guga veraneava
e se fazia às cachorras mais catitas daquelas aldeias) convidou-me para
ir almoçar com a família e para rever o Guga.
Confesso que aceitei mais para voltar a ver o cão.
Depois do almoço, com filhos
e uma catrefada de netos, saímos até à
eira ali ao lado, e os canis também ficavam perto. E, porque eu era estranha, tinham metido nos
canis os cães todos. Faziam uma
chinfrineira dos diabos, e o Guga era o mais barulhento.
Comecei a caminhar em
direcção do canil do zaragateiro e o senhor e a esposa a avisarem :”Não se
chegue à rede, olhe que ele continua traiçoeiro”. E eu ia falando enquanto me aproximava :
“Olá, Guga. Já não me conheces? Era eu quem te dava de comer, lembras-te?” E o
Guga a dar umas ladradelas cada vez mais baixo
e mais espaçadas. Reparei que o
pelo eriçado ficava mais acamado.
Cheguei junto da rede: “Vem cá, Guga, sou eu ... estás a reconhecer a
minha voz , não estás?” O cão chegou um ombro junto da rede. Eu fiz-lhe uma
festinha e senti a pele do cachorro estremecer. Completamente afoita , fiz-lhe
outra festa na cabeça. Ele lambeu-me a mão. Os outros cães pararam de ladrar. Fez-se
um silêncio total. O senhor veio e abriu
a porta do canil do Guga que, então, parecia doido: ora se deitava aos meus
pés, ora dava pulos que quase me chegava com o focinho à cara e soltava uns
sons de pura alegria. Sentei-me na eira
e, agarrada ao pescoço do Guga,
chorei que nem uma Madalena
.
Quando levantei os olhos, vi que toda a gente
chorava, até as crianças , possivelmente porque viam os pais e avós a
chorar.
Foi uma cena que nunca
esquecerei. E cada vez tenho mais a
certeza que a amizade não tem preço, mesmo a amizade de um cachorro.
Leiria 14 de Junho de 2013
Júlia Ribeiro
Olá Júlia!
ResponderEliminarMesmo agora abri Os Farrapos de Memória e qual o meu espanto quando vi teu conto Guga||.
Li, e até as lágrimas me correram pela face tão emocionada fiquei.Adorei, mais uma vez ,as tuas"estórias" e esta mais, por ser verdadeira...
Continua, pois sabes como sou apreciadora daquilo que escreves.
Um Abraço.
Julieta
Antão já somos duas. Tamem gosto munto do que a nossa Julinha escreve. São sempre coisas lindas. Um bejiho
ResponderEliminarMaria da Querdoira
Um bom amigo nunca se esquece.
ResponderEliminarA lealdade é também coisa de humanos, muitas vezes em pele de cão.
Grandes lições para outros humanos que de humano têm pouco.
Cumprimentos, amiga Júlia.
Sei que um dia havemos de nos conhecer.
Eu teimo em ser caçador e tenho boas recordações com os meu cães. mas não sei escrever como Júlia Ribeiro, que nos delicia.
ResponderEliminarMaria Celeste Pires escreveu:Linda e emocionante esta estória do Guga!! Até eu estava a chorar, quando acabei de ler.
ResponderEliminarLinda e deliciosa história de animais, pessoas e afectos, superiormente contada num sublime momento de boa prosa.
ResponderEliminarParabéns. Grato pela partilha.
Rui Cambóias
Dois momentos nesta história me emocionaram . Eu que sou caçador, imagino o sofrimento de outro caçador que antes de morrer, distribui os seus cães pelos camaradas de caça. Aí eu chorei mesmo. O outro momento foi o Guga ter reconhecido a dona passados anos. Este é mais frequente, mas também comovente. O seu marido tinha de ser boa pessoa. A senhora também.
ResponderEliminarTenha muita saúde para ajudar filhos e netos.
Um caçador e amigo de cães.
Costumo dizer que o meu primeiro grande desgosto foi a morte do meu cão, no dia em que fiz o antigo exame da 4ª classe.A alegria provocada pelo resultado do exame ("distinta")cedeu lugar às lágrimas de profunda tristeza pela falta do meu amigo,quando os meus pais,com sensibilidade, me comunicaram a notícia.Só quem estabelece relações de afecto com animais compreende a dor que se sente quando eles nos "deixam".
ResponderEliminarBem haja,Julinha,por nos fazer rir tantas vezes e agora,por nos comover até às lágrimas.
Uma moncorvense
Caríssimos Comentadores e Blogueiros:
ResponderEliminarGrata a todos pela vossas palavras amigas.
Ao senhor caçador quero só dizer que o meu marido era , de facto, "boa pessoa". Eu tento ser, mas às vezes dá-me uma fúria contra quem nos devia governar, mas nos dá cabo da vida, e então chamo-lhes uma data de nomes que nós sabemos..
Ao Rui, à Maria Celestes , à Maria da Querdoira , abraços muito grandes.
Ao sr. caçador que tem muitas histórias para contar e que pensa que não é capaz de escrever, acredite que é uma questão de começar. Depois apanha-lhe o jeito.
.Olá, amigo Armando Sena, gostei muito do seu comentário e é claro que qualquer dia havemos de ver-nos lá pelos meus lados de Moncorvo.
À Detinha, peço desculpa por tê-la feito comover-se. Às vezes umas lágrimas até podem aliviar. Mas prometo que à estorinha que se segue vai achar graça.
E agora, last but not least, a minha amiga Julieta fez um comentário. Halleluiah !! Podia ir tocar o sino, tão raro é o caso ! Mas gostei.
Creio que respondi a todos e envio abraços também para todos
Júlia
Esta querida Sra.tem o dom de às vezes nos fazer rir,outras de nos levar às lágrimas!Foi o que me aconteceu neste preciso momento...
ResponderEliminarBeijinhos e Parabéns pelo que escreve.
Para a doutora Júlia Ribeiro: http://youtu.be/H_-50pgsO0I
ResponderEliminarO fiel cachorro Capitán dorme ao lado do túmulo de seu dono há seis anos. O caso ocorre na localidade de Villa Carlos Paz, na Argentina.
ResponderEliminarMestiço de pastor alemão, Capitán foi o presente surpresa dado por Miguel Guzmán a seu filho Damián em 2005. No ano seguinte, o homem morreu, e o cachorro desapareceu de casa. A família até pensou que ele tivesse morrido também, ou sido adotado por outra família, mas se surpreendeu no dia em que foi visitar o sepulcro do falecido.
Lá estava o cachorro! Conforme o diretor do cemitério, Héctor Baccega, o cão apareceu um dia sozinho, sem que ninguém o tivesse levado, e começou a andar entre as tumbas, até que encontrou a de seu dono. Ficou ali desde então, apenas saindo eventualmente para fazer uma "visita" de algumas horas à casa dos proprietários - mas sempre volta para dormir ao lado da sepultura.
Capitán conquistou o carinho de todos. Segundo o "Perú", os trabalhadores do local se responsabilizam por alimentar e manter em dia suas vacinas.
Uma muito bonita história de amor canino. E talvez o cachorro também não deixe o cemitério porque descobriu que o lugar é cheio de ossos.GOOGLEMAN
Ainda volto aqui para agradecer aos 3 últimos comentadores as suas palavras amigas.
ResponderEliminarQuanto ao fiel cachorro Capitán , todos sabemos que não é caso isolado.
Contava-se em Moncorvo, isto é, contavam as velhas quando eu era pequenina, que já as suas mães e avós haviam contado, que houvera uma tragédia de amor em que um cão, semelhante ao Capitán , acabou na campa com o dono. Eu escrevi esse conto em Agosto de 2000. Podem lê-lo no 1º Volume de "CONTOS AO LUAR DE AGOSTO" , pp. 33 a 38.
Com um abraço
Júlia Ribeiro
E ainda voltei mais uma vez, para perguntar ao Sr, Anónimo (que , penso, até me conhece) o que quer dizer a sigla:
ResponderEliminarhttp://youtu.be/H_-50pgsO0I
É que eu sou de grande aselhice em informática ...
Amanhã volto aqui para ver se tenho cá a resposta, valeu?
Belo, Júlia. Obrigado por nos lembrar que «a amizade não tem preço» ainda que seja de um cão. Eu revi-me de repente na minha adlescência, quando chegava a casa depois de prolongadas ausências devido aos estudos.
ResponderEliminarBeisico
Amadeu Ferreira