segunda-feira, 16 de abril de 2012

AS INVESTIGAÇÕES DE ABADE TAVARES

José Augusto Tavares nasceu na freguesia de Lousa, em 4 de Abril de 1868. Fez estudos preparatórios e teológicos no Seminário Diocesano de Bragança[1]. Recebeu a ordens de presbítero em 1894. Paroquiou as freguesias de Ligares, Larinho, Maçores e Carviçais.
Foi amigo e correspondente do arqueólogo José Leite de Vasconcelos[2] que, em 1899, o considerou “...um dos espíritos iluminados e esclarecidos da atual geração transmontana, que tem dedicado a sua atividade intelectual ao estudo das antiguidades, desta província, tanto da linguística como de tudo o que pode concorrer para o conhecimento do seu passado...espírito sagaz, observador, colhendo entre eles (seus paroquianos) e nos seus hábitos, usos e costumes, todas as joias arcaicas perdidas...como homem culto”.
Aos 26 anos, começou a sua mais conhecida “luta”, visando a criação de um Museu Arqueológico de Moncorvo, com a publicação de um artigo, no Jornal “O Moncorvense”, datado de 2 de Junho de 1895.
Passou a maior parte da sua vida a recolher todos os objetos antigos, tanto arqueológicos como etnográficos, do concelho de Torre de Moncorvo e não só. Por causa do empenhamento do Abade Tavares, foi possível salvar o importante espólio, que atualmente se encontra guardado no Museu Nacional de Arqueologia em Lisboa. Salientamos a título de exemplo: a ara dedicada à Civitas Baniensis, encontrada no Baldoeiro (Adeganha), numa zona conhecida por Mesquita, onde existiu uma capela românica dedicada a S. Mamede assim como dois berrões[3] intactos e alguns fragmentos de outros, que, por sorte, se salvaram da destruição porque chegou no momento exato em que se preparavam para parti-los pois havia uma lenda segundo a qual na barriga dos porcos estava escondido um pote com libras em ouro.

A partir de determinada altura, já eram as pessoas que iam ter com ele e lhe vendiam ou davam moedas, cerâmica, machados em pedra polida, entre outras coisas. Ele dizia que a sua casa em Carviçais, mais parecia um museu.
Mas, o tempo passava e o seu sonho de criar um Museu arqueológico e Etnográfico, em Torre de Moncorvo, não havia maneira de se concretizar. Na diversa correspondência que trocava com o seu amigo José Leite de Vasconcelos, já era sentido o desgaste de uma luta que parecia não ter fim. Essa “dor” foi passada a escrito e publicada na revista “O Archeologo Português”[4], por José Leite de Vasconcelos, onde são enumeradas as principais razões justificativas para a existência do museu, nomeadamente, “por esta vila (Moncorvo) ser um centro de estações arqueológicas, figurando o Monte do Roboredo, a estrada chamada Mourisca, o Felgar, a Vila Velha com lápides epigráficas, as Cabanas-de-Baixo com os seus berrões, o Olival da Rasa, com sepulturas abertas na rocha, Vilarinho e Castedo com monumentos pré-históricos”.
A estas razões foi acrescido o facto de, até aquele momento, não existir na província transmontana, nenhum museu público.
Mas algo ficou sempre em aberto: caso o Museu não fosse criado, todo o espólio seria oferecido ao Museu de Lisboa, de maneira de ficar seguro e visitável por todos.
Assim, a 16 de Dezembro de 1922, o Abade Tavares acaba por aceitar o destino. Escreve então uma carta a Leite Vasconcelos que intitula de “Coleção Arqueológica” e onde diz o seguinte:
“Desde criança, há próximo de 30 anos, que me tenho esforçado por convencer em artigos de revistas e jornais, a Câmara Municipal do concelho de Moncorvo a fundar um museu regional, onde recolhêssemos as nossas muitas e veneradas preciosidades arqueológicas. Baldados esforços! (…) Durante anos enviei para diferentes museus, muitos e valiosos objetos.
Mas – devo confessá-lo com infinita mágoa- cada remessa enviada fazia-me exclamar: vou salvar da destruição estes objetos, mas ai! Eles deviam formar um museu em Moncorvo!”.
Após enumerar o espólio enviado para Lisboa, percebe-se uma certa tristeza de quem não quer desfazer-se dos materiais, mas que não encontra melhor maneira de o salvaguardar.
Armando Pimentel, um amigo de José Augusto Tavares, conta como o conheceu[5] já o abade estava em idade avançada: “O velho abade era franco e comunicativo. Foi trabalhador incansável. A sua especial predilecção ia para os assuntos etnológicos - no seu contacto com o povo não perdia pitada que lhe alimentasse o vício”.
Sabe-se que foi sócio da Associação de Arqueólogos Portugueses e da Sociedade de Geografia e que vinte e três anos após a sua doação ao Museu de Arqueologia de Lisboa, já com 67 anos de idade, morreu a 10 de Abril de 1935, sem ter visto concretizado o seu maior sonho, o de um Museu em Moncorvo.
A partir de Dezembro de 1931, o abade encontrava-se já cego e sempre que precisava, pedia a um amigo que lhe lesse a correspondência e o ajudasse a responder. Assim, a 20 de Fevereiro de 1932, o abade “escreve” a última carta a José Leite Vasconcelos a pedir o volume do seu trabalho Etnológico, porque o abade Baçal gostaria de o publicar.
O Abade de Baçal, amigo de longa data, descreve-o a seguinte maneira:
“ É um dos espíritos ilustrados e esclarecidos da atual geração transmontana, que tem dedicado a sua atividade intelectual ao estudo das antiguidades desta província, tanto linguística como de tudo o que pode concorrer para o conhecimento do seu passado. Sacerdote exemplaríssimo, ao mesmo tempo que exerce a evangélica missão da direção espiritual dos seus paroquianos, vai, como espirito sagaz, observador, colhendo, entre eles e os seus hábitos, usos e costumes, todas as joias arcaicas perdidas, que hão-de um dia servir para formar um tesouro de subido valor para a história desta região. Como homem culto, foi um dos primeiros que, lá de uma escondida aldeia, levantou a voz a saudar com a sua pena fluente a fundação do Museu da sua terra e resultarem infrutíferas as suas tentativas”.
Esta é a homenagem a um grande homem que nunca será esquecido. Quem sabe se um dia não realizará o seu sonho
Susana Bailarim
(Arqueóloga)

[1] Terá sido neste Seminário que o abade de Carviçais terá conhecido o Abade de Baçal.
[2] Diretor/Fundador do antigo Museu Nacional de Arqueologia e Etnografia de Lisboa.
[3] Porcos de pedra em tamanho natural, encontrados no Olival dos Berrões nas Cabanas de Baixo .
[4]  Vol. I, nº6, Junho de 1895, pág. 175/176.
[5]  Artigo do jornal “A Torre”, 1930.

Nota do editor: Primeiro texto retirado de trabalho de investigação, em elaboração, sobre Os arqueólogos da nossa região.

5 comentários:

  1. Parabéns! Obrigada por todas estas partilhas.

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  2. Contou-me o engº Camisa, de Carviçais, que, em determinada altura, José Leite Vasconcelos visitou Carviçais e, percorrendo as ruas da aldeia, parou junto a um grupo de mulheres que estavam na rua catando piolhos das cabeças, delas e dos filhos, naturalmente. E tentando meter conversa, a perguntar o que estavam fazendo, elas o olharam, espantadas. E depois que virou costas, uma delas terá comentado:
    - O homem parece que é tolinho!... J. Andrade.

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  3. Pelos anos de 1980 muito me esforcei por arrancar algumas declarações a uma senhora de Carviçais, moradora junto à capela de Santa Bárbara que, segundo me informaram, era filha do abade. Mas nada consegui, nem sequer que me mostrasse uma fotografia do abade. A verdade é que terão sido muito atribulados os anos vividos pelo abade Tavares a partir de determinada altura. Tanto quanto eu consegui perceber, pelos anos de 1890, ele elogiava o Dr. Margarido, Caetrano Oliveira e mais lazarões de Moncorvo... Pelos anos de 1900 ele virou progressista, escrevendo louvores ao amigo Santiago, Acácio Alves... Com a República... ter-se-á incompatibilizado com os amigos e... também com o abade de Baçal... Sobre o museu e a câmara de Moncorvo, precisamos de ler todos os documentos referentes ao assunto e não apenas alguns... Penso que ele até recebeu apoios e elogios da câmara para o seu museu mas... terá havido uma impossibilidade prática de o instalar... Talvez que para isso, naqueles tempos, seria necesário... algo mais do que a manifestação de intenções do abade Tavares... O que mais me inquietou nas minhas investigações (e nada consegui saber) foi o destino final que terão tido os papéis e objectos do abade Tavares que, segundo me disseram, vieram num carro puxado pelos machos para casa dos seus herdeiros então moradores da vila de Moncorvo.J. Andrade

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  4. É num salão do Seminário de Bragança que se encontram os mais(e muitos) variados objectos recolhidos pelo Abade Tavares.Espólio valiosíssimo,uma verdadeira riqueza!

    Uma moncorvense

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  5. É num salão dos estaleiros da magnanima EDP que se encontram os mais ( e muitos) objectos recolhidos ou sacados pelos arqueólogos nas apuradas escavações de Silhades. Espólio também este valiosissimo e de riqueza incalculável.

    Se este espólio tiver o mesmo fim - rapinagem e ocultação - do espólio do Abade Tavares, então estamos numa terra de m....!

    Um felgarense

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