Foi amigo e correspondente do arqueólogo José Leite de Vasconcelos[2] que, em 1899, o considerou “...um dos espíritos iluminados e esclarecidos da atual geração transmontana, que tem dedicado a sua atividade intelectual ao estudo das antiguidades, desta província, tanto da linguística como de tudo o que pode concorrer para o conhecimento do seu passado...espírito sagaz, observador, colhendo entre eles (seus paroquianos) e nos seus hábitos, usos e costumes, todas as joias arcaicas perdidas...como homem culto”.
Aos 26 anos, começou a sua mais conhecida “luta”, visando a criação de um Museu Arqueológico de Moncorvo, com a publicação de um artigo, no Jornal “O Moncorvense”, datado de 2 de Junho de 1895.
Passou a maior parte da sua vida a recolher todos os objetos antigos, tanto arqueológicos como etnográficos, do concelho de Torre de Moncorvo e não só. Por causa do empenhamento do Abade Tavares, foi possível salvar o importante espólio, que atualmente se encontra guardado no Museu Nacional de Arqueologia em Lisboa. Salientamos a título de exemplo: a ara dedicada à Civitas Baniensis, encontrada no Baldoeiro (Adeganha), numa zona conhecida por Mesquita, onde existiu uma capela românica dedicada a S. Mamede assim como dois berrões[3] intactos e alguns fragmentos de outros, que, por sorte, se salvaram da destruição porque chegou no momento exato em que se preparavam para parti-los pois havia uma lenda segundo a qual na barriga dos porcos estava escondido um pote com libras em ouro.
Mas, o tempo passava e o seu sonho de criar um Museu arqueológico e Etnográfico, em Torre de Moncorvo, não havia maneira de se concretizar. Na diversa correspondência que trocava com o seu amigo José Leite de Vasconcelos, já era sentido o desgaste de uma luta que parecia não ter fim. Essa “dor” foi passada a escrito e publicada na revista “O Archeologo Português”[4], por José Leite de Vasconcelos, onde são enumeradas as principais razões justificativas para a existência do museu, nomeadamente, “por esta vila (Moncorvo) ser um centro de estações arqueológicas, figurando o Monte do Roboredo, a estrada chamada Mourisca, o Felgar, a Vila Velha com lápides epigráficas, as Cabanas-de-Baixo com os seus berrões, o Olival da Rasa, com sepulturas abertas na rocha, Vilarinho e Castedo com monumentos pré-históricos”.
A estas razões foi acrescido o facto de, até aquele momento, não existir na província transmontana, nenhum museu público.
Mas algo ficou sempre em aberto: caso o Museu não fosse criado, todo o espólio seria oferecido ao Museu de Lisboa, de maneira de ficar seguro e visitável por todos.
Assim, a 16 de Dezembro de 1922, o Abade Tavares acaba por aceitar o destino. Escreve então uma carta a Leite Vasconcelos que intitula de “Coleção Arqueológica” e onde diz o seguinte:
“Desde criança, há próximo de 30 anos, que me tenho esforçado por convencer em artigos de revistas e jornais, a Câmara Municipal do concelho de Moncorvo a fundar um museu regional, onde recolhêssemos as nossas muitas e veneradas preciosidades arqueológicas. Baldados esforços! (…) Durante anos enviei para diferentes museus, muitos e valiosos objetos.
Mas – devo confessá-lo com infinita mágoa- cada remessa enviada fazia-me exclamar: vou salvar da destruição estes objetos, mas ai! Eles deviam formar um museu em Moncorvo!”.
Após enumerar o espólio enviado para Lisboa, percebe-se uma certa tristeza de quem não quer desfazer-se dos materiais, mas que não encontra melhor maneira de o salvaguardar.
Armando Pimentel, um amigo de José Augusto Tavares, conta como o conheceu[5] já o abade estava em idade avançada: “O velho abade era franco e comunicativo. Foi trabalhador incansável. A sua especial predilecção ia para os assuntos etnológicos - no seu contacto com o povo não perdia pitada que lhe alimentasse o vício”.
Sabe-se que foi sócio da Associação de Arqueólogos Portugueses e da Sociedade de Geografia e que vinte e três anos após a sua doação ao Museu de Arqueologia de Lisboa, já com 67 anos de idade, morreu a 10 de Abril de 1935, sem ter visto concretizado o seu maior sonho, o de um Museu em Moncorvo.
A partir de Dezembro de 1931, o abade encontrava-se já cego e sempre que precisava, pedia a um amigo que lhe lesse a correspondência e o ajudasse a responder. Assim, a 20 de Fevereiro de 1932, o abade “escreve” a última carta a José Leite Vasconcelos a pedir o volume do seu trabalho Etnológico, porque o abade Baçal gostaria de o publicar.
O Abade de Baçal, amigo de longa data, descreve-o a seguinte maneira:
“ É um dos espíritos ilustrados e esclarecidos da atual geração transmontana, que tem dedicado a sua atividade intelectual ao estudo das antiguidades desta província, tanto linguística como de tudo o que pode concorrer para o conhecimento do seu passado. Sacerdote exemplaríssimo, ao mesmo tempo que exerce a evangélica missão da direção espiritual dos seus paroquianos, vai, como espirito sagaz, observador, colhendo, entre eles e os seus hábitos, usos e costumes, todas as joias arcaicas perdidas, que hão-de um dia servir para formar um tesouro de subido valor para a história desta região. Como homem culto, foi um dos primeiros que, lá de uma escondida aldeia, levantou a voz a saudar com a sua pena fluente a fundação do Museu da sua terra e resultarem infrutíferas as suas tentativas”.
Esta é a homenagem a um grande homem que nunca será esquecido. Quem sabe se um dia não realizará o seu sonho…
Susana Bailarim
(Arqueóloga)
[1] Terá sido neste Seminário que o abade de Carviçais terá conhecido o Abade de Baçal.
Parabéns! Obrigada por todas estas partilhas.
ResponderEliminarContou-me o engº Camisa, de Carviçais, que, em determinada altura, José Leite Vasconcelos visitou Carviçais e, percorrendo as ruas da aldeia, parou junto a um grupo de mulheres que estavam na rua catando piolhos das cabeças, delas e dos filhos, naturalmente. E tentando meter conversa, a perguntar o que estavam fazendo, elas o olharam, espantadas. E depois que virou costas, uma delas terá comentado:
ResponderEliminar- O homem parece que é tolinho!... J. Andrade.
Pelos anos de 1980 muito me esforcei por arrancar algumas declarações a uma senhora de Carviçais, moradora junto à capela de Santa Bárbara que, segundo me informaram, era filha do abade. Mas nada consegui, nem sequer que me mostrasse uma fotografia do abade. A verdade é que terão sido muito atribulados os anos vividos pelo abade Tavares a partir de determinada altura. Tanto quanto eu consegui perceber, pelos anos de 1890, ele elogiava o Dr. Margarido, Caetrano Oliveira e mais lazarões de Moncorvo... Pelos anos de 1900 ele virou progressista, escrevendo louvores ao amigo Santiago, Acácio Alves... Com a República... ter-se-á incompatibilizado com os amigos e... também com o abade de Baçal... Sobre o museu e a câmara de Moncorvo, precisamos de ler todos os documentos referentes ao assunto e não apenas alguns... Penso que ele até recebeu apoios e elogios da câmara para o seu museu mas... terá havido uma impossibilidade prática de o instalar... Talvez que para isso, naqueles tempos, seria necesário... algo mais do que a manifestação de intenções do abade Tavares... O que mais me inquietou nas minhas investigações (e nada consegui saber) foi o destino final que terão tido os papéis e objectos do abade Tavares que, segundo me disseram, vieram num carro puxado pelos machos para casa dos seus herdeiros então moradores da vila de Moncorvo.J. Andrade
ResponderEliminarÉ num salão do Seminário de Bragança que se encontram os mais(e muitos) variados objectos recolhidos pelo Abade Tavares.Espólio valiosíssimo,uma verdadeira riqueza!
ResponderEliminarUma moncorvense
É num salão dos estaleiros da magnanima EDP que se encontram os mais ( e muitos) objectos recolhidos ou sacados pelos arqueólogos nas apuradas escavações de Silhades. Espólio também este valiosissimo e de riqueza incalculável.
ResponderEliminarSe este espólio tiver o mesmo fim - rapinagem e ocultação - do espólio do Abade Tavares, então estamos numa terra de m....!
Um felgarense