Na histórica vila de Torre de Moncorvo uma placa toponímica, estatizada numa parede centenária, ostenta, sob o olhar passivo de todos os que lêem e não reconhecem qualquer memória, o nome de Constantino, Rei dos Floristas. Talvez não seja de estranhar o desconhecimento, pois Constantino viveu há cerca de dois séculos.
A esta distância, valeu-nos como fonte de informação a valiosa pesquisa de Júlia de Barros Biló, conterrânea de Constantino, professora atenta que, a dada altura, percebeu que “a vida aventurosa” desse homem poderia ser reconstituída como que num romance, “com uma pincelada de veracidade aqui, introduzindo um provável amigo ali, desenvolvendo um facto real acolá”.Estávamos então no século XIX, o século da revolução industrial, o século das revoluções contra os decadentes regimes absolutistas, réplicas desse fenómeno maior que foi a revolução francesa que também fizeram tremer Portugal. Constantino José Marques nasceu a 16 de Agosto de 1802, em Torre de Moncorvo.(Continua nos comentários)Nota: À autora ,Virginia do Carmo ,nova colaboradora do blogue,damos as boas-vindas e aguardamos mais textos.
Publicado a 21/01/11
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ResponderEliminar. Fruto de infidelidade conjugal e por isso não bem vindo ao mundo, a Roda dos Enjeitados acabou por ser o seu primeiro destino em vida. Deslocado, desde logo, para Alfândega da Fé, foi aí que viveu a sua primeira infância, amamentado e acarinhado por uma ama zelosa. A partir dos três anos, duas irmãs abastadas, que eram afinal suas tias paternas, assumiram a protecção de Constantino, dando uma mesada avantajada a um casal de tendeiros para que se encarregassem da sua criação. Até que chegou à idade de 16 anos. Preparado então para o novo ofício, instruído nas regras de etiqueta, o rapaz foi servir como criado-grave para uma casa rica e nobre de Moncorvo, sem saber tratar-se da casa dos seus avós maternos e que aí iria cruzar-se com a sua verdadeira mãe. De resto, não chegou a sabê-lo, mas a mãe reconheceu o filho, adoecendo e levando toda a família a deslocar-se para Lisboa. Colocado numa outra casa para servir, nunca mais manifestou o mesmo empenho na sua profissão, pelo que as protectoras determinaram que fosse para um convento de Franciscanos. Tinha 17 anos. Foi aí que, numa tentativa de fugir à prisão que era para si o convento, Constantino começou a dedicar-se ao jardim e às flores. Um ano volvido, o jovem alia-se a um colega, igualmente insatisfeito com aquela vida, e fogem os dois rumo a Viseu, para se alistarem no Batalhão de Caçadores 5. Dos Açores para Génova Apanhados nas lutas entre monárquicos e republicanos, Constantino e Diogo acabaram na Ilha Terceira, nos Açores. Entretanto Constantino desenvolvera um passatempo: fazer flores de penas. Às tantas já as vendia e, a dada altura, já eram compradas por ingleses, sob o impulso vigoroso de uma amiga de 57 anos que, afinal, se tornaria na esposa de Constantino, tinha este 22 anos. Três anos depois era um homem viúvo, mas todos já lhe reconheciam a habilidade e não lhe faltava clientela para as flores. Em 1828 os dois amigos regressam ao Continente onde continuam a servir no exército, desta feita ao lado de D. Miguel. Entretanto, Diogo era já Sargento e Constantino Alferes Porta Bandeira, promovido por distinção.Em 1834, comovidos pela partilha de quinze anos de vida, os dois amigos separam-se. Diogo, cansado da guerra, decide regressar a Moncorvo. Constantino, por sua vez, sem família que aí o receba, decide acompanhar D. Miguel no processo de rendição que o atiraria para o exílio. Partem no mesmo navio para Génova. Faminto, cansado e desiludido, Constantino é salvo do desespero quando, inesperadamente, consegue emprego numa florista. As primeiras flores que nascem então das suas mãos, com gestos executados meticulosamente enquanto permanece sentado no chão de pernas de cruzadas (postura que havia de marcar para sempre a sua imagem como artesão), deixam todos maravilhados. Incansável trabalhador e ávido de conhecimentos, passados alguns meses Constantino começa a sonhar com Paris.
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ResponderEliminarCom uma carta de recomendação da patroa parte, então, para a cidade-luz. Também aqui, na nova oficina onde passa a trabalhar, todos os olhares estatizam perante a beleza das flores que cria. É então que um sargento vem buscar um ramo exibido na montra, feito por Constantino. O ramo era para ser oferecido pela Guarda Nacional à Rainha D. Maria Amélia, que gostou tanto que mandou felicitar o “Mestre Constantin”.Constantino torna-se “rei”Reconhecendo-lhe o mérito, um cliente habitual da oficina acaba por incentivar e ajudar Constantino a estabelecer-se por conta própria, entrando ele próprio e um amigo como sócios na empreitada. Uma opção que Constantino vê com bons olhos, não obstante a sua gratidão para com o patrão, pois os colegas começavam então a olhá-lo com maus olhos – olhos de inveja. Além disso, precisava de espaço para a sua criatividade. Desde então o seu negócio prosperou e a sua fama alastrou. Passa a ser moda em Paris a camélia na botoeira da lapela, e quem primava à altura pela elegância não passava sem “uma grinalda nos cabelos, ou uma rosa encarnada no decote, ou uma flor de lis num ombro”, sempre com a marca de Constantino.
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ResponderEliminarEm 1839 é nomeado fornecedor da Casa Real de França, enquanto lhe chegam encomendas de muitas outras casas reais europeias. Mas foi em 1844 que Constantino passou a ser conhecido como rei dos floristas. Para tal contribuíram o sucesso de uma quermesse organizada pela rainha, para angariar fundos de apoio às vítimas do tufão que destruiu a ilha de Guadalupe, onde as flores de Constantino foram as verdadeiras rainhas. E logo a seguir, outro acontecimento solidifica, irreversivelmente, a fama do “mestre”: a decisão da princesa D. Clementina de levar ao altar, no dia do seu casamento,um ramo feito por Constantino. Os jornais falam de Constantino e reproduzem as palavras da rainha: “as vossas flores são tal qual as naturais. Com a única diferença que estas murcham e as vossas não”.Depois de receber o primeiro prémio na exposição de Paris, Constantino decide viajar pela Europa para estudar botânica, de que regressou cheio de novas ideias. Mas à prosperidade estavam prestes a suceder-se dois anos de dificuldades financeiras, valendo-se, para lhe fazer frente, de todas as suas reservas económicas, recusando-se, em alternativa, a despedir os seus artífices. O regresso a Portugal e a morte Quando a prosperidade se reinstala, Constantino decide regressar ao seu país. Precedido pela fama, é recebido em Lisboa numa homenagem liderada por Almeida Garrett a que se juntam a elite intelectual e a alta sociedade de então. Mas foi em Moncorvo que Constantino realizou o sonho da sua vida: reaver os apelidos da sua família biológica. Comovido pelas honras com que foi recebido na vila, aceitou comovido a “oferta” feita pelos familiares. E assim Constantino deixou Moncorvo com dezoito apelidos. Regressado a Paris aguardou a chegada desse papel valiosíssimo que atestaria a sua origem e o seu novo nome, mas, infelizmente, Constantino não chegaria a tê-lo realmente, pois chegou depois da sua morte.Em 1854, a sua saúde debilita-se e o médico recomenda-lhe mudança de ares. Decide então regressar a Portugal, onde permanece apenas alguns meses. Regressa então a Paris, em 1855. Em 1858, depois de muitas outras, uma última honra marca o seu currículo: é convidado pela casa real germânica para fazer o ramo de casamento de Dona Estefânia com D. Pedro V de Portugal. A partir de então, a morte aproxima-se com sinais evidentes de declínio: a saúde é cada vez mais débil e a industrialização desvaloriza o trabalho manual de que vivera ao longo dos anos. A 14 de Janeiro de 1873 Constantino morre, sem que se saiba ao certo em que circunstâncias, se ainda com posses e criados, ou se bastante pobre, a hipótese mais provável, segundo Júlia de Barros Biló. Não morreu na sua terra, como era seu desejo, embora no cemitério de Moncorvo esteja depositado, em sua memória, um pedaço de terra trazido do cemitério parisiense onde repousa. Mas o que talvez importe é que, como refere a sua biógrafa, “as suas cinzas terão ajudado a desabrochar flores”.
Virgínia do Carmo(nova colaboradora deste blogue)
Artigo publicado no Mensageiro de Bragança a 2005-10-13,
Virginia do Carmo tem um blogue que recomendamos: http://olugardossentidos.blogspot.com/
ResponderEliminarLeonel, obrigada! É uma honra fazer parte deste projecto!
ResponderEliminarUm abraço!
Um prazer ler esta "estória" cheia de história!
ResponderEliminarabs
Uma "estória" bem contada, revelando bom poder de síntese da autora, Virgínia do Carmo. Parabéns.
ResponderEliminarA propósito do cemitério onde, com toda a certeza, foi sepultado Constantino, ainda não vi em nenhuma das biografias ou, melhor dizendo, breves notas biográficas do Rei dos Floristas, o nome correcto. A começar com o grande investigador que foi o Abade de Baçal (e meu ponto de partida para a "Quási-Biografia" ) que, nas suas "Memórias Arqueológico-Históricas do Distrito de Bragança, Tomo VII- Os Notáveis",2ªed,1981,p.114,(p.211 da 'Quási-Biografia'), nos diz que Constantino faleceu "na sua quinta de Tercy, junto a Paris". Este erro é repetido na Enciclopédia Luso-Brasileira Vol.VII, pp. 498/499. Pinho Leal, no seu "Portugal Antigo e Moderno",Lisboa,1875p.390, refere apenas "uma quinta que possuía próximo a Tercy". Mas não nos ficamos por aqui: Silva Esteves já nos remete para os Pirenéus, e para Tercis-Terry, mas acaba por afirmar que Constantino foi sepultado em Terry. (Ilustração Transmontana, Porto, 1908, p.167, e p.200 da "Quási-Biografia"). E há mais, mas não vale a pena estar a citar mais ninguém.
O que me complicou a pesquisa é que há em Paris dois 'arrondissements' (não sei se se pode traduzir por freguesias) com os nomes de Torcy e de Bercy. Andei por lá quase dois dias a investigar os óbitos entre 1872 e 1874. E nada de Constantino. Virei-me então para os Pirenéus. Aí, entre Dax e Mont-de-Marsan havia uma aldeia chamada TERCIS. Porém, o TGV não passava em nenhuma dessas pequenas cidades. Meti-me no avião e aí vai a Júlia, sozinha, de Paris para Bordéus. Procurei hotel e comprei mapas da região. Tive azar, porque comecei por Dax. Foi uma viagem de combóio de 100km à Srª da Asneira. Regresso a Bordéus e, na manhã seguinte, mais uma viagem de combóio.Mais 100km.(Achei que a França é mesmo grande!). Finalmente fui para o sítio certo: Mont-de-Marsan. A Directora dos Arquivos desta cidadezinha foi incansável. Ajudou-me a obter a certidão do óbito de Constantino e encaminhou-me (de táxi) para Tercis, pequena aldeia termal. Muito linda. Mas o nome é TERCIS.
Do velho ossário do cemitério trouxe terra.
Pois não querem saber que quem gravou a lapidezinha que está na parede do cemitério de Moncorvo escreveu TERCY??!!! Ia-me dando uma coisa !! E então não é que a nossa queridíssima Virgínia do Carmo diz que Constantino repousa num cemitério parisiense ?! Amiga Virgínia: diga-me que isso só pode ser GRALHA .
Receba um abração da
Júlia
Júlia, só agora vi o seu comentário, sinceramente, a esta distância, já não consigo idfentifcar a "fonte" de onde terei bebido esta informação. Só posso garantir-lhe isto: não inventei! :) - Vou investigar e depois dir-lhe-ei alguma coisa.
ResponderEliminarObrigada e outro abraço para si :)
"... Constantino José nasceu em Moncorvo em 18.8.1802, tendo falecido com 71 anos de idade, a 14.1.1873, no Château du Brouchoua em Tercis (França), no estado de solteiro, tal como consta do seu registo de óbito". Cf. Filipe Pinheiro de Campos, "Um personagem inquietante. Constantino, o Rei dos Floristas", in Revista Lusófona de Genealogia e Heráldica, n.º 5, Instituto de Genealogia e Heráldica da Universidade do Porto, 2010, pp. 57-70.
ResponderEliminar(Um dos sub-títulos deste artigo é: A Ascendência e as Linhas Genealógicas de Constantino)
Na p. 61, da mesma obra, lê-se, na nota 3, que uma carta de Claire Faugère refere que Constantino falecera solteiro, possivelmente, pela sua viuvez precoce e desconhecimento do facto pelos seus amigos franceses.
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