Grande parte dos actuais dirigentes e responsáveis nordestinos são rapazes do meu tempo. Alguns mais novos, outros mais velhos, mas a grande maioria viveu o vinte e cinco de Abril no auge da sua juventude. Ao rever velhas fotos das primeiras manifestações na Praça da Sé e Avenida João da Cruz reconheço traços familiares que, envelhecidos, revejo nas notícias que o Jornal do Nordeste semanalmente me traz a casa. Era a altura dos sonhos, das esperanças, mas também das certezas e das reivindicações. Um dos slogans repetidos até à exaustão era a trilogia dos D: Democracia, Descolonização e Desenvolvimento. Não se tratava de nenhuma profissão de fé. Para mim e, não duvido, para todos os que erguendo braços, dedos e punhos descíamos da Estação da CP até ao sinaleiro, era uma certeza garantida. Os três D eram uma consequência lógica da revolução dos cravos. A gente que nos libertou de uma odiosa ditadura de quarenta anos iria, logicamente, transportar-nos aos benefícios consequentes. E transportou. Os dois primeiros, apesar dos incidentes de percurso, podemos considerá-los conquistados. O problema é o terceiro. Pensámos que sim, pensámos que não, imaginámos que talvez mas olhamos à volta e verificamos que está longe de ser dado como adquirido. A geração que nos precedeu deixou-nos democráticos e descolonizados mas pede-nos que nos desenvolvamos! E se o não fizermos, por muitos Abris de 74 ou Maios de 68 que tenhamos vivido e participado, nada nos vai redimir. A descolonização é passado e nada há mais a fazer nesse domínio. O sistema democrático está sólido e nada de sério nos é exigido para a sua manutenção. Bem pelo contrário, a nossa integração europeia impõe-nos a democracia. Se não conseguirmos fazer nada em prol do desenvolvimento seremos uma geração falhada.
Em boa verdade convém reconhecer que esta não é a única crise pós 25 de Abril. As anteriores foram resolvidas pelos que nos precederam. O mínimo que podemos fazer é aprender com o passado. A primeira que vivi de forma activa foi a crise do início dos anos 80. No meio das enormes dificuldades que as empresas atravessavam assisti a contratações principescas de gestores de topo. Pareceram-me quase obscenas, dado o panorama. Mas rapidamente as entendi a razão porque o fizeram. Mau grado o esforço adicional que lhes exigiu, foram contratações deste teor que salvaram as empresas que apostaram nessa estratégia e, melhor que isso, as deixaram mais fortes permitindo-lhe lideranças de mercado, acabada a crise.
A situação dramática em que nos encontramos em todo o país e, em especial, no nosso sacrificado nordeste só pode ter possibilidade de sucesso se os seus destinos forem conduzidos pelos melhores de nós. Com segundas escolhas ou com menor empenho e sobretudo com falta de competência e capacidade, será impossível.
Afinal era por nós que em Abril de 74 esperávamos.
Mas seremos exactamente nós, por quem nós, efectivamente, nessa altura clamávamos?
Seremos nós... a dizê-lo.
José Mário Leite
In: A Terra de Duas Línguas II – Antologia de Autores Transmontanos
Sem comentários:
Enviar um comentário
Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.