Falangistas na Alcázar de Toledo |
Era uma tarde quente de 1982 e
o Historiador descansava na sua casa em Bruçó quando recebeu a visita
de um sobrinho, acabado de
chegar de uma viagem de
três meses pela
vizinha Espanha, depois de Filipe Gonzalez ter ganho as eleições com maioria absoluta. Escutou a enumeração das vilas e cidades por onde tinha passado,
as novas construções
e estradas projectadas, as pessoas
importantes que tinham entrado e saído do país, o que iria acontecer à base americana e se tinham mudado os nomes das pontes e jardins e removido
as estátuas do Franco nas províncias mais distantes.
Mas a sua face enrugada já não questionava aquilo que ouvia, baixou os olhos para a palma das mãos, subiu a temperatura no calorífero e
esperou que o sobrinho preparasse o bloco de
notas e o lápis. Começou por contar dois ou três episódios sobre
os refugiados da Guerra Civil
em
Trás-os-Montes e entre
as
pausas
para
beber
água
e
limpar a
testa suada,
relembrou a cilada armada ao seu
amigo Unamuno enquanto reitor da Universidade de Salamanca e para o
final da entrevista escolheu falar de Toledo, a
cidade rodeada pelo Tejo.
Contou que durante o cerco republicano em 1936, o filho do general que defendia Toledo tinha sido raptado pelos Republicanos,
que pediam a entrega da
cidade em troca do seu único filho. Nesta altura o Historiador inspirou três vezes antes de continuar e depois, com a voz
entaramelada, revelou que o general tinha mandado dizer ao filho para que
desse um Viva la España! e se deixasse morrer como um espanhol. O
Historiador acrescentou ainda que
no dia 12 de Setembro, o general
Varela entrou em Toledo para acabar com o
cerco republicano ao Alcázar e que a grande Espanha tinha fundado a sua força nesses homens de honra.
Ao terminar esta passagem, quase bíblica, voltou a molhar os lábios para conter a comoção desde os seus 86 anos, mas não evitou que duas lágrimas frias rolassem
pela sua face branca e manchassem a camisa de cetim. Atrás
destas vieram outras
até
se formar um fio de
água à volta da cadeira onde estava sentado e o
chão da marquise ficar alagado. O
sobrinho, sentiu os pés molhados e viu no choro do tio a
necessidade de privacidade, despediu-se
apertando-lhe a mão fria
e saiu
pela porta de vidro.
O Historiador acabou por se afogar nas próprias lágrimas, ao contar pela primeira vez, a história dos dias em que o pai, seguindo as ordens directas de Franco, encomendou a sua alma a Deus e o deixou às mãos de 12.000 milicianos ao serviço da Republica, pelo sonho da
grande Espanha Falangista.
Tiago Patrício
Um texto extraordinário !
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