quinta-feira, 22 de maio de 2014

O Historiador e o Falangista,por Tiago Patrício

Falangistas na Alcázar de Toledo
Era uma tarde quente de 1982 e o Historiador descansava na sua casa em Bruçó quando recebeu a visita de um sobrinho, acabado de chegar de uma viagem de três meses pela vizinha Espanha, depois de Filipe Gonzalez ter ganho as eleições com maioria absoluta. Escutou a enumeração das vilas e cidades por onde tinha passado, as novas construções e estradas projectadas, as pessoas importantes que tinham entrado e saído do país, o que iria acontecer à base americana e se tinham mudado os nomes das pontes e jardins e removido as estátuas do Franco nas províncias mais distantes.
Mas a sua face enrugada já não questionava aquilo que ouvia, baixou os olhos para a palma das mãos, subiu a temperatura no calorífero e esperou que o sobrinho preparasse o bloco de notas e o lápis. Começou por contar dois ou três episódios sobre os refugiados da Guerra Civil  em  Trás-os-Montes  e  entre  as  pausas  para  beber  água  e  limpar  testa  suada, relembrou a cilada armada ao seu amigo Unamuno enquanto reitor da Universidade de Salamanca e para o final da entrevista escolheu falar de Toledo, a cidade rodeada pelo Tejo. Contou que durante o cerco republicano em 1936, o filho do general que defendia Toledo tinha sido raptado pelos Republicanos, que pediam a entrega da cidade em troca do seu único filho. Nesta altura o Historiador inspirou três vezes antes de continuar e depois, com a voz entaramelada, revelou que o general tinha mandado dizer ao filho para que desse um Viva la España! e se deixasse morrer como um espanhol. O Historiador acrescentou ainda que no dia 12 de Setembro, o general Varela entrou em Toledo para acabar com o cerco republicano ao Alcázar e que a grande Espanha tinha fundado a sua força nesses homens de honra.
Ao terminar esta passagem, quase bíblica, voltou a molhar os lábios para conter a comoção desde os seus 86 anos, mas não evitou que duas lágrimas frias rolassem pela sua face branca e manchassem a camisa de cetim. Atrás destas vieram outras até se formar um fio de água à volta da cadeira onde estava sentado e o chão da marquise ficar alagado. O sobrinho, sentiu os pés molhados e viu no choro do tio a necessidade de privacidade, despediu-se apertando-lhe a mão fria e saiu pela porta de vidro.
O Historiador acabou por se afogar nas próprias lágrimas, ao contar pela primeira vez, a história dos dias em que o pai, seguindo as ordens directas de Franco, encomendou a sua alma a Deus e o deixou às mãos de 12.000 milicianos ao serviço da Republica, pelo sonho da grande Espanha Falangista.

Tiago Patrício

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