domingo, 4 de maio de 2014

DIA DA MÃE ,por Irene Garcia

À memória de todas as Mães,
                                   
Em especial, à da minha Mãe,
                                    
Com um beijo de eterna saudade.


Retalhos da minha infância

Às vezes, minha mãe, dou comigo a olhar as minhas mãos e vêem-me à lembrança memórias de antigamente… Ainda te lembras?
Em Maçores… como regente escolar e com pouco saber, mas muita dedicação, ensinaste e educaste, dezenas de crianças (onde estou incluída) e ainda te recordam. Um quarto, - não tinha mais de dois palmos. – em casa da Sra. Georgina, na rua do Lavouro.´
Nele só entravam histórias de encantar que me lias para adormecer e me povoavam os sonhos.
Em Urros… Foste para lá atirada por imperativo do destino, mas a gente boa da minha terra, adotou-te como filha e acredita, que me falam sempre de ti.
Como havia de esquecer aquelas tardes adormecidas de verão, a quietude dos dias passados a teu lado onde só se ouvia o silêncio?!
O gato, teu fiel amigo e companheiro, estirado no parapeito da janela, a quem tu confidenciavas as mágoas da tua vida… Eu, sentada, a cabeça no teu regaço, atenta, a ouvir-te ler mais uma passagem, não do Antigo, mas do Novo Testamento, a falar-me de Jesus.
“ Em verdade vos digo, Dizia”
Na verdade tive uma infância feliz, porque tive o privilégio de ter uma Mãe afetuosa como tu.
Escondeu-se o sol, naquela manhã fresca de abril. Vestida de esperança, alonguei o passo, mas não cheguei a tempo de atender o teu último pedido. Ao olhar o teu corpo sem vida, nem uma lágrima, apenas um grito de revolta dor e mágoa, abafado no teu peito.
Já passaram mais de três décadas sem ouvir a tua voz, sentir o teu beijo terno a aflorar a minha face.
No meu imaginário, vejo-te na outra margem do rio e preciso de acreditar, que quando chegar a minha vez, vais estar lá, para me aconchegar no teu abraço e ir de novo ao comércio aviar quinze tostões de canela e enfeitares o arroz-doce em forma de coração. Na volta, a Sra. D. Beatriz, vai meter-me sem que alguém veja, um rebuçado “catraios” no meio da caderneta, que vou partilhar, como sempre fiz contigo.
Colher no dia de S. João, porque está abençoado, um ramo florido de sabugueiro, para te aliviar a tosse em dias de resfriado.
Vestir o vestido azul franzido, com bonecos de mão dadas, bordados por ti a ponto de cruz e me assentava tão bem, mas vê lá, se já te olvidaste da história da “Mirtó”, aquela menina inventada, que vivia com a mãe e de todas era a minha preferida!...
A vida, como sabes, é um ciclo. Repete-se, tal qual como as estações do ano. Na hora da despedida, vou pedir ao meu filho, que me embrulhe o anel de prata fina, ajustado à medida do meu dedo, atado com uma fita de seda, não se vá extraviar na minha longa caminhada, numa pontinha do véu, que usavas quando ias à missa. Certamente, não te vai entrar no anelar, mas tenho quase a certeza, que te vai servir no mindinho… Nesse dia, vai-se-me abrir o sorriso.
Irene Garcia, Urros

4-5-2014

15 comentários:

  1. Comovente testemunho de amor filial.
    Abraço de

    Uma moncorvense

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  2. Pode-se perceber aqui tudo que há de melhor na relação de mãe e filha!! Serenidade, simplicidade, aconchego, ternura, cumplicidade, companheirismo,...
    "...preciso de acreditar, que quando chegar a minha vez, vais estar lá, para me aconchegar no teu abraço e ir de novo ao comércio aviar quinze tostões de canela e enfeitares o arroz-doce em forma de coração."

    Um grande abraço da tua amiga
    Homera

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  3. Um texto que nos enternece e quase sufoca, pois inunda a nossa alma com o que de mais puro e belo há neste mundo : o amor de mãe.

    Obrigada, Ireninha, pela partilha.

    Um beijo
    Júlia

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  4. Como te digo Lelo, eu sou uma maçarica em blogs, ontem escrevi um comentário a esta magnífica história de amor.
    Dizia eu:

    Recordações com amor, Ireninha a menina que sonhou com um cachecol amarelo que tinha visto no "soto" da Dª Ester.
    Ireninha que nos transporta através dos seus textos para um passado onde habitam no nosso imaginário, cheiros, sabores num final de dia ao toque das trindades, vi me num desses textos que escreveste, correr para casa tão apressada, numa correria louca, pois tinha de estar lá antes do último toque do sino da aldeia, rezando para que a última "badalada" se alongasse mais do que as anteriores.
    Com os teus contos, povoas o nosso imaginário, é como se regressasse ao colo da nossa aldeia numa viagem alucinante.
    Obrigada prima Ireninha, embora não me recorde de ti, a tua voz ficou cá, quem sabe se não te ouvi perguntar à minha mãe pelo cachecol amarelo, enquanto dormitava na alcofa, mesmo ali por trás do balcão do soto. Beijinhos grandes ( foi com este sentimento que escrevi o comentário anterior).
    Maria José Garcia Fernandes ( Misé)

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  5. Olá Querida Irene!
    Gostei imenso...a sua carta fez-me regressar a Miranda do Douro ao colo da minha querida e saudosa Mãe...e dizer mais para quê?!
    Um beijo enorme de amizade da amiga:Dores

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  6. Muitos parabéns, aqui esta uma lembrança profunda, beijinhos...

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  7. Muito bem. Aliás não esperava outra coisa.
    Muito meiga e delicada, como sempre...
    Beijinho.
    Branca

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  8. Para todas as minhas amigas um abraço do coração
    Irene

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  9. Maria de Fátima Sarmento3 de agosto de 2014 às 19:33

    Amiga Irene, mesmo com um atraso significativo temporal, estou novamente perante um texto seu, que como sempre, APRECIO muito.
    Aprecio, porque a Irene transmite-nos, atraves da escrita, uma expresividade sensorial, que nos coloca em comunhão com a natureza ,e, com o mais puro dos sentimentos:o AMOR.
    A singular e delicada afectividade com que retrata a sua aldeia, com as suas gentes e tradições, povoam a sua memória como um sentimento de pertença, como sendo o seu lugar no mundo, onde verdadeiramente pertence.
    Quem viveu uma infância em comunhão com o que de mais parecido, e, por analogia, existe com o paraiso: o relacionamento com a sua Mãe, jamais terá outras vivências que catapultem para segundo plano o amor com que a sua Mãe a brindou. Foi feliz, e devem ser esses sentimentos que a devem reger por toda a sua vida. Que sorte teve a Irene no seu papel de filha. Prabéns por partilhar sentimentos que já se vão esquecendo.

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  10. Gostei imenso...Um beijo grande da amiga MARIAZINHA

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  11. Percebo,agora, querida amiga, porque tem sempre tanto amor e simpatia para distribuir! Quem recebe amor também o dá e consegue ser feliz e fazer os outros felizes!
    Obrigada por partilhar este texto doce "com um coração de canela".

    Um beijinho com muito carinho da amiga Marília

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  12. Querida Amiga Irene

    Éramos apenas duas desconhecidas quando, num já longínquo dia de Verão, em pleno mês de Agosto, «nasceu», entre nós, uma amizade que se tem mantido por estes já longuitos anos. Essa Amizade, desencadeada numa quente tarde de Agosto, em que o sol do meu Algarve amado ainda exercia o seu calor abrasador, teve início com um «Desculpe, posso sentar-me aqui à sombra do seu chapéu?». Desde então já muita coisa se passou, como é, aliás, normal que aconteça. A Irene deu-me a conhecer os seus escritos, os seus textos, simples mas maravilhosamente elaborados e sentidos. O que hoje publica no Google, com o título Retalhos da minha infância, e que merecidamente, considero eu, dedica a sua mãe, é uma obra de arte. Não são necessárias palavras rebuscadas, não são precisas figuras de rectórica propositadamente utilizadas ou quaisquer malabarismos de oratória para produzir esta pedra preciosa com que a minha amiga aqui nos presenteia. Do fundo do meu coração, sinto que a senhora sua mãe, de sorriso nos lábios, lá no hemisfério onde ela repousa, mas naturalmente feliz, dá graças a Deus por ter uma filha que sabe tornar eterno através da suas sábias palavras o que para outros seria simplesmente efémero. Um beijo de amizade.
    Bem haja, Irene.
    M.C.M.
    PS. Muito obrigada por também ter pensado na minha mãe: «À memória de todas as mães»

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  13. Um texto bem formulado e com emoção nas riquissimas recordações que trouxeste da nossa Familia e vivencias passadas.

    beijos. Gostamos muito. Mariazinha e J.Eduardo

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  14. Como a entendo Irene.
    Sinto inveja por não ter tido a mesma cumplicidade com a minha Mãe.
    E não ter ninguém à minha espera...
    Sinto orgulho em a conhecer e poder privar de perto consigo.É uma alma nobre e de eleição.
    Abraço forte de Amizade

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  15. Como a entendo Irene.
    Sinto inveja por não ter tido a mesma cumplicidade com a minha Mãe.
    E não ter ninguém à minha espera...
    Sinto orgulho em a conhecer e poder privar de perto consigo.É uma alma nobre e de eleição.
    Abraço forte de Amizade

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