sábado, 13 de maio de 2017

Trás-os-Montes - Do Porco e da Qualidade da sua Carne

 Em Trás-os-Montes, como acontece por todo o pais, as matanças começam um pouco antes do Natal e prolongam-se por todo o mês de Janeiro. E essencial que o frio seja rijo e seco e que caiam as geadas, condições para se obter para a carne uma boa «cura».  Da morte ocupam-se os homens e processa-se geralmente na rua, pelo método da faca directa ao coração, obtendo-se assim maior quantidade de sangue para os enchidos e menor sofrimento para o animal. Morto e sangrado, o porco é aberto ali mesmo, na rua, onde lhe são retiradas as tripas, que de seguida serão lavadas no rio pelas mulheres. Também a forma de o abrir é aqui é diferente. O porco é aberto dos dois lados a partit do esterno (osso do peito) em forma de pétala. Este processo permite retirar inteiras algumas peças, como a pele da barriga, que é utilizada nas alheiras e chavianos, o soventre para rojões e o unto para derreter e fazer banha ou para guardar «recheado» com sal ou ainda ensacado na pele de unto e posto ao fumeiro. A desmancha faz-se um ou dois dias depois do porco morto e é uma verdadeira ciência, respeitada e transmitida de geração em geração. Cada pedaço tem o seu destino invariável, quer para o fumeiro quer para a cozinha, pelo que se colocam separadamente em cada alguidar à medida que o porco vai sendo desmanchado.

 Mas dizem os Transmontanos que a qualidade da carne dos seus porcos se deve à maneira como foram alimentados. De uma  forma geral, em toda a província, os porcos comem lavadura. A preparação desta lavadura obedece a um ritual próprio. Toda agente tem em casa uma lata onde recolhe os restos de comida com destino aos seus porcos ou aos dos seus amigos. Para esta lata são deitados os desperdícios dos alimentos, com excepção dos de peixe, e os restos da mesa. Antes de ser lavada, a louça da mesa é passada por água quente num alguidar destinado a este fim. Esta água, que se chama lavagem, é deitada num caldeiro onde a comida será então preparada, variando esta «receita» de região para região. Em Valpaços, por exemplo, atendem ao ditado: «se quiseres um bom entrecosto, mete-lho por Agosto», significa que os porcos de ceva (porcos que começam a ser engordados especialmente para a matança) devem iniciar um regime próprio. A lavadura é enriquecida com batatas, milho cru, grão de centeio e castanhas com ou sem casca, que tomam na circunstância o nome de mamotas; finalmente é temperada com sal.No Barroso, a espessura ganha-se com a ajuda de batatas cortadas e farelos, tudo bem temperado com sal para que o presunto seja digno dos elogios que lhe são devidos.Na região de Basto, que sendo ainda Trás-os-Montes confina com a província do Minho, dois meses antes do abate, os porcos não podem comer nem bolotas nem farinhas. As primeiras porque, segundo se diz, transmitem ao porco um gosto selvagem (montezinho), e as farinhas porque, também segundo a opinião dos habitantes desta zona, tornam a carne mole. Na região de Basto também se dá uma enorme importância à cama em que o animal dorme: tem que ser de urze ou de fetos secos, pois a palha, segundo os Bastinos, provoca uma doença na pele dos porcos (sabunhão) que a inutiliza. Também nesta região, na véspera das matanças, só dão erva aos porcos, para se evitar que as tripas e o bucho tenham mau cheiro.
Fonte: Cozinha Tradicional Portuguesa 

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