Eu sou natural de Felgueiras, mas saí daí com 4 anos. Por isso não conheço quase ninguém da minha família. O meu pai mora no Carvalhal,de nome José Luís Cardoso,um homem honrado e de muita fibra para o trabalho e para a vida. Se um dia ainda vier a ter alguma "fama", jamais deixarei de honrar e dignificar a minha terra de origem. Eu tenho um texto que apresentei em uma exposição com um resumo daminha trajetória de vida, mas que irei aperfeiçoar para depois vos enviar, e que será de uma grande importância ter visibilidade no vosso blog. Entretanto pode acessar o meu novo site que acabou de ir para o ar: www.olivrodosespiritos.com.br Um grande abraço Alberto Maçorano
Dei-me conta da minha realidade existencial, quando me encontrava numa fazenda de café, bem no interior de Angola, ainda colónia de Portugal, para onde os meus pais tinham emigrado em 1951, quando eu tinha quatro anos de idade. Aí permaneceria até aos quatorze anos, marcando definitivamente a minha infância e juventude. As carências educacionais eram gritantes. A única escola pública encontrava-se a cerca de 20 km de distância, numa vila chamada na época de Vila Salazar, sem quaisquer meios de transporte, e os meus pais não tinham condições financeiras de suportar uma estadia nessa vila. Apesar de ter sido alfabetizado pela minha mãe, que apenas tinha a 3ª classe, havia a necessidade de frequentar uma instituição de ensino. Relativamente perto da fazenda havia uma missão, dita americana, que até hoje não sei a razão dessa existência, que servia de igreja, aos domingos, e onde se ministrava também gratuitamente o ensino primário. Todos os seus professores e dirigentes eram negros. Devia ter uma frequência de mais de cem alunos negros, e os brancos não chegariam a dez. Os meus pais relutaram durante algum tempo, pelo preconceito, em me colocarem aí para estudar. Porém, como o tempo passava, e sem alternativa, ultrapassaram essa barreira e aí concluímos o ensino primário. Com orgulho, afirmo hoje, serem negros os meus primeiros professores. Sem me dar conta da importância desse significado, guardo algumas lembranças de ouvir os dirigentes da fazenda dizer que eu era muito inteligente, oferecendo-me presentes que evidenciavam agilidade intelectual, tais como carrinhos que vinham desmontados e precisavam ser montados para funcionar. Tenho presente um carrinho que me foi oferecido todo em peças. Tinha uma chave para dar corda, e depois de pronto, e ter dado corda, começava a deslizar. Era um espanto para os meus pais, que ficavam muito admirados por eu conseguir por aquela engenhoca a funcionar, e daí a fama de inteligente começou a espalhar-se. Iniciava-se assim a minha saga por terras africanas. Terminado o primário nessa missão americana, ficaria por aí, pois só havia estudos secundários em Luanda, a capital, que distava cerca de trezentos quilômetros, sendo completamente inviável para os meus pais, pois só os fazendeiros tinham essa possibilidade. Porém, por uma feliz coincidência, iniciava-se em 1960, na Vila Salazar de então, a abertura de um colégio particular com estudos secundários, o chamado Colégio Oliveira Martins. E foi aí, com algum sacrifício e muita vontade dos meus pais, que eu iniciei os estudos secundários, começando pela admissão ao liceu, obrigatório nesses tempos. CONTINUA
Não foi muito fácil enquadrar-me naquele vilarejo, pois eu vinha de uma fazenda, de isolamento total, sem qualquer convívio, além de uma timidez que me acompanha desde que me conheço. Apenas para ilustrar esse fato, uma vez, quando teria seis ou sete anos, o gerente da fazenda passou de jipe pela nossa casa, onde eu e o meu irmão brincávamos, perguntando para onde o meu pai tinha ido, e eu, muito tímido, pedi ao meu irmão, mais novo dois anos, que respondesse. Não obstante, fazia sucesso no colégio. O meu nome era amplamente conhecido e eu era de longe, o melhor aluno da classe. Recordo-me que tinha uma habilidade muito grande para desenhar. O nosso compêndio de História de Portugal tinha um esboço fotográfico de todos os reis. Ao sábado tínhamos desenho livre, e eu tive a paciência de desenhar todos os reis de Portugal com tanta perfeição, causando espanto aos próprios professores. Esses desenhos foram arquivados numa pasta que foi para uma exposição dos trabalhos do colégio e nunca mais soube dela, guardando alguma mágoa por não tê-la hoje comigo. Guardo outra recordação, agradável e desagradável, ao mesmo tempo: toda a classe primária ficava em uma sala do colégio, e era apenas uma professora que ministrava o ensino. Eu tinha uma memória fantástica. O ensino em Angola era exactamente igual ao ministrado em Portugal. Na disciplina de Geografia, estudávamos a geografia física de Portugal, e, por exemplo, sabia de cor as serras, os rios e seus afluentes, nascentes, etc. Então, enquanto a professora ensinava os alunos da 1ª, 2ª e 3ª classe, pedia-me que eu interrogasse os colegas da 4ª classe e admissão ao liceu, nessa matéria, e eu devia anotar no quadro as respostas erradas. Na minha ingenuidade, seguia escrupulosamente as diretrizes da professora. Certo dia, anotei no quadro os erros de um colega muito mais novo do que eu, filho do proprietário de uma pensão dessa vila, por sinal, um molequinho todo metido e aburguesado. CONTINUA
Quando fomos para o recreio, foi aquela correria e o safadinho perseguiu-me e na correria pregou-me uma rasteira e acabei caindo e estatelando-me no chão. No mesmo instante, outros colegas alertaram-me da chegada dos meus pais que me vinham visitar e trazer alguns mimos. Levantei-me de imediato e corri para os meus pais como se nada tivesse acontecido, pois, no meu íntimo, quis demonstrar ao tal pestinha, que a sua intervenção não me abalara. Curiosamente, estou narrando este acontecimento pela primeira vez, e só agora me dou conta que nunca contei aos meus pais, nem a ninguém, esta minha faceta de estudante, nem a tal queda provocada por aquele safadinho, pois, tudo aquilo me parecia muito natural. Só hoje reconheço, ao fazer esta retrospectiva, que, na realidade demonstrava um desenvolvimento intelectual superior aos demais colegas, pois só eu seria indigitado para essa tarefa. Fazendo aqui um parêntese, vou contar rapidamente um acontecimento trágico relacionado com esse colega. Posteriormente, passados cerca de sete anos, já me encontrava em Luanda, o meu pai era proprietário de uma pensão e não sei como ele veio hospedar-se nela, prosseguindo os estudos no mesmo ano em que eu me encontrava. Apesar dos anos que passaram, eu continuava com a minha inibição, e embora ele estivesse hospedado na pensão do meu pai, eu não tinha muita conversa com ele. Não posso afirmar categoricamente, pois já foi há tantos anos e não guardo uma lembrança firme do que vou dizer, mas talvez alimentasse algum ressentimento, alguma mágoa, pensando que agora se revertiam as posições. No passado eu era um simples caipira e ele um pequeno burguês. Agora eu estava na capital e ele hospedado na pensão do meu pai. Não sei se isso influenciou o nosso distanciamento. Na verdade eu havia perdido um ano escolar no liceu, por motivos bem particulares, e por incrível que pareça, relacionado com a timidez. E ele, passados aqueles anos em que eu já deveria estar mais avançado, veio encontrar-me no mesmo ano de estudo, o que reflete que ele também derrapou, e sabendo do meu famoso passado, era uma glória para ele estar em igualdade de circunstâncias. Um belo dia disse-me, na sequência de determinada conversa que não me ocorre, que a pensão do meu pai era a pensão da morte lenta... De imediato nem me apercebi do sentido dessa frase, e eu simplesmente calei e desviei a conversa. Algum tempo depois, saiu da pensão e foi para outra bem pertinho da nossa, cerca de uns 100 metros, numa rua transversal. Tempos depois, fiquei sabendo que morrera eletrocutado na cama metálica dessa pensão. Ainda não devia ter vinte anos. Na pensão do meu pai isso não teria acontecido, porque as camas eram de madeira... Ironias do destino... CONTINUA
Voltando ao Colégio, os estudos prosseguiam normalmente, e no final do ano lectivo fomos fazer exame em Luanda, no Liceu local e acabei passando com distinção. Entretanto, os meus pais, passados onze anos de trabalho nessa fazenda, viajaram a Portugal, levando a minha irmã que nascera em Angola, para iniciar lá os estudos primários, uma vez que sendo menina, era mais problemático colocá-la na tal missão onde eu e o meu irmão estudáramos. Decorria o ano de 1960 e aproximava-se o início do ano lectivo que era em Setembro, e os meus pais, em Portugal, na santa ignorância, sequer se lembraram de me matricular. Por outro lado, não posso afirmar se era intenção deles possibilitarem-me a sequência dos estudos, e eu também perdido naquele fim de mundo com o meu irmão, sem contacto com a civilização, sequer cogitava o rumo a seguir, aguardando o seu regresso. A surpresa foi muito grande e perplexa quando o dono e diretor do colégio, juntamente com a minha ex-professora, se apresentaram de taxi, na fazenda, indagando os motivos de não me terem ainda matriculado. Eu respondi que os meus pais estavam em Portugal. Então eles disseram que um aluno como eu não poderia deixar de estudar, mesmo que eles tivessem que assumir os meus estudos. E foi assim que eles providenciaram a minha matrícula no 1º ano do antigo 1º ciclo. Estava então com treze anos de idade. Entretanto os meus pais regressaram de Portugal com ideias predeterminadas, tomando novos rumos para facilitar que eu e o meu irmão prosseguíssemos os estudos. Para tanto, despediram-se da fazenda e abriram uma pensão em Luanda. Como já havíamos iniciado o período escolar nesse colégio, tivemos que dar sequência até ao final desse período, que terminaria em Dezembro, findo o qual fomos para Luanda onde já se encontravam os nossos pais, que já nos haviam matriculado em um colégio local. Por sinal, foi a última vez que eles efetuaram as nossas matrículas. A partir daí, eu e o meu irmão é que providenciáva-mos tudo relacionado aos nossos estudos. Hoje é muito comum verem-se os pais atrelados aos filhos até nas faculdades, para cuidarem dos seus estudos... CONTINUA
Foi assim, com alguma tristeza, que abandonaríamos para sempre aquela vilazinha provinciana, onde demos os primeiros passos académicos que nos dariam as mais gratas recordações estudantis, ou seja, fazendo uma analogia com os tempos atuais, onde fizemos por merecer a medalha de ouro de toda a nossa atividade escolar. Um pequeno parêntese, mais uma vez. Esse colégio, que começou por ser o único nessa vila, era muito disciplinado e tinha um ensino muito exigente, obtendo resultados espetaculares no aproveitamento dos alunos. Outro colégio apareceu e, como infelizmente se verifica, até aos dias de hoje, os que se evidenciam começam a ser perseguidos, e tanto fizeram até que o colégio teve que fechar; mudando-se os seus proprietários para Luanda. Quando me encontrava no último ano do ensino secundário, surpreendentemente, o diretor e a minha professora primária apareceram na pensão do meu pai para nos fazerem uma visita. Eu cheguei a ir ao local em que continuavam ministrando o seu grande saber e nunca mais tive notícias dos meus primeiros grandes mestres académicos. Lembro-me agora que também chegámos a ter a visita na pensão, do meu primeiro professor negro, na tal missão em que estudei quando morávamos na fazenda, e que também se tinha mudado para Luanda. Ele era o diretor dessa missão e chamava-se Zeferino. Com a minha ida para Luanda, outro ciclo de vida se desenhava no meu horizonte. Apesar de ter continuado a ser um aluno de destaque nos restantes anos, ficando sempre entre os dois primeiros da classe, nunca mais tive o “glamour” daquele primeiro ano vivido naquela pequena vila do interior de Angola. Luanda era uma cidade bem maior, com mais solicitações que desviavam as nossas concentrações estudantis. Dávamos também pequena colaboração ao meu pai nas tarefas da pensão e assim restava pouco tempo para nos dedicarmos afincadamente aos estudos. Mas o nosso destino..., estava escrito no cadastro espiritual. CONTINUA
Chegou a hora do serviço militar obrigatório, e como iniciáramos os estudos com idade avançada, não tivemos o privilégio de uma graduação antes dessa etapa. Portugal defrontava-se com uma guerrilha de libertação, iniciada em 1961, que culminaria em 1974 com a célebre “revolução dos cravos” em Portugal, abreviando a independência de todas as colónias portuguesas. Ingressei no serviço militar antes de concluir o antigo 3º ciclo, que aconteceria logo depois, dando-me o direito de frequentar o curso de oficiais, ao qual renunciaria, pelo receio de ser enviado à frente de batalha, uma vez que, como furriel miliciano, eu permaneci em Luanda, numa repartição do Quartel General das Forças Armadas em Angola. Concluído o serviço militar de quase quatro anos, o meu pai ainda me pressionou para ingressar na faculdade, para tirar um curso superior, que era o sonho dele e meu também, pois naquela época tinha situação financeira favorável e ele pretendia ajudar-me, mesmo depois de casado. Porém, costuma-se dizer que quem casa quer casa... Além disso, e por incrível que pareça, devido à grande facilidade em assimilar qualquer matéria, não se me deparou um objetivo motivador, perdendo o estímulo em prosseguir nos estudos, optando por trabalhar no banco e seguir em frente com essa atividade profissional. Amanhecia o dia “25 de Abril de 1974” e as notícias começavam a surgir desencontradas. Não se sabia ao certo o que havia acontecido; as comunicações com Portugal haviam sido interrompidas; o suspense pairava no ar. Aos poucos os boatos tornam-se realidade, e um golpe militar acontecera em Portugal. A apreensão apoderou-se das populações; não se sabia o que iria acontecer. A ditadura salazarista havia sido derrubada e vários governos provisórios foram-se instalando com o propósito de implantar a democracia e devolver a independência às colónias. Depois do brilhantismo com que as forças armadas haviam derrubado a velha ditadura, sem derramamento de sangue, pairou uma grande expectativa em relação ao futuro de Portugal e das suas colónias. Passado algum tempo, as esperanças depositadas na chamada “revolução dos cravos” começavam a esvair-se. O mitológico partido comunista português (PCP), que atuava na clandestinidade e emergiu nesta revolução como o “salvador da Pátria”, iludiu o imaginário de grande parte da população portuguesa, sobretudo a juventude irresponsável, que não admitia e sequer vislumbrava ter saído da ditadura Salazarista, para adoptar um partido subsidiado e lendo a mesma cartilha da mais feroz ditadura que o mundo conhecera: o stalinismo; começava a tomar praticamente as rédeas do poder, mesmo que indiretamente.
A administração política portuguesa começou a enveredar por caminhos obscuros, vivenciando momentos críticos e tensos, optando por decisões desastrosas para o futuro das populações africanas. As independências seriam concedidas sem o mínimo respeito e segurança das suas populações. Sem esse pressuposto, a debandada dos portugueses e de muitos africanos para a mãe pátria, foi uma realidade. O caos instala-se em Portugal, atrasado e na cauda da Europa, por força da política salazarista, completamente despreparado para receber o retorno de todos os seus filhos. Foi nesse estado de sítio que aí desembarcámos em Setembro de 75. Passaríamos ainda por um breve período de oito meses, (Setembro de 75 a Abril de 76) pelo Brasil, com o intuito de trabalhar com uns parentes ricos, não me adaptando, todavia, a esse tipo de trabalho. Faria um estágio de quatro meses no Banco Real em S. Paulo, para gerente, mas as condições de trabalho da época eram muito opressoras; resolvi retornar ao velho Continente, e em Fevereiro de 77 ingressaria na Caixa Geral de Depósitos, em Lisboa. Como as minhas raízes estavam no Norte, passados dois meses conseguíamos a transferência para o Porto, onde acabaria por me radicar. Três acontecimentos importantes marcariam a minha vida no ano de 78. Em Janeiro aconteceria o nascimento da minha primeira e única filha, e em Agosto a aquisição de casa própria, que me daria a possibilidade de me introduzir na alimentação macrobiótica, que, entretanto havia conhecido e pratico até aos dias de hoje. Alimentação essa que me traria muitos dissabores e desavenças com a minha esposa de então, professora do ensino primário. Não aceitava a minha imposição em incorporar essa alimentação nos hábitos alimentares da filha de seis meses, que acabou prevalecendo parcialmente, pois em nossa casa seguia mais ou menos esse regime, mas em casa dos avós maternos, onde ficava, quando íamos trabalhar, seguia os hábitos comuns. É claro que o relacionamento conjugal se desgastou muito.Todavia, o nosso quotidiano decorria num ambiente de aparente harmonia e tranquilidade. Emagreci 25 kg em relativamente pouco tempo, resolvendo quase todos os problemas de saúde que me afetavam nesse momento. Não faltaram os vaticinadores da má sorte, parentes e colegas de trabalho, insinuando que em pouco tempo iria parar ao hospital. Mas a minha convicção era tão grande que nada me desviou do meu rumo. Passados 33 anos a minha saúde é melhor do que naquela época. Raramente uso medicamentos. E, com certeza, as farmácias iriam à falência se tivessem que contar comigo como cliente. Já fui opositor ferrenho da medicina convencional. Todavia, hoje, com o conhecimento adquirido no espiritismo, já tenho mais respeito por essa ciência, sobretudo, pelos seus profissionais, que, pese embora alguns maus exemplos, são, de uma maneira geral, profissões com muita dedicação ao próximo. CONTINUA
Por ironia do destino, costuma-se dizer que pela boca morre o peixe..., seria também essa alimentação que se tornaria no pretexto para protagonizar o colapso que avassalaria a minha vida. De fato, passei por algum fanatismo durante o começo desse regime alimentar. E depois de ler tantos livros sobre alimentação e produtos alimentares integrais, idealizei o fabrico de um pão integral, não existente no mercado e que seria o ideal para uma alimentação saudável. Conforme pensei, assim executei. Saí do Banco em 1989, vendi o apartamento, comprei um terreno e comecei a construir uma casa com a instalação de uma padaria no rés-do-chão. Criei a infra-estrutura adequada através de financiamentos, e quando foi para a execução, foi um fracasso total. Abandonei esse projeto e tentei salvar o investimento através da exploração de padarias comuns. Arrastei-me assim por cerca de dois anos. Numa dessas situações, no Algarve, cheguei a trabalhar por mais de 20 horas diárias. Começava pelas 23 horas, participando ativamente no fabrico do pão. Pelo amanhecer tomava um banho e fazia depois uma distribuição. Por várias vezes adormecia ao volante, e quando me dava conta já estava rodando na contramão, mas parece que uma mão miraculosa me despertava do torpor momentâneo e retomava novamente o rumo certo. Foram muitas vezes que isso aconteceu. Almoçava e ia fazer compras da matéria prima e depois a contabilidade, após a prestação de contas dos outros vendedores. Deitava-me pelas 19.00 horas para me levantar às 23,00 e recomeçar novamente. Era uma luta desesperada e inglória pela sobrevivência... Certo dia, de tão cansado, aconteceu um episódio que nunca mais esquecerei. Ao terminar de fazer a tal contabilidade, contei o dinheiro que havia recebido para depositar no banco e quando me aprontava para ultimar tudo e deitar-me, dei falta de duas notas de dez contos cada uma. Procurei por todo o lado, e não conseguia encontrar as tais notas que eu tinha certeza de terem passado pelas minhas mãos. Revirei tudo, e só passado algum tempo me deu um clique na cabeça e procurei no cesto dos papeis, quando descortinei as duas notas rasgadas ao meio. Imagine-se o meu consciente, para rasgar duas notas sem me aperceber. Desnecessário comentar... Colei-as e andei com elas durante muito tempo como recordação, mas, por necessidade, acabei desfazendo-me delas. Assim decorria a minha insistência tormentosa em remar contra a maré. Com todos os sacrifícios, não conseguia honrar os compromissos assumidos lá atrás, naquele desastre inicial, e nunca mais consegui neutralizá-lo, chegando ao colapso. Solicitando ajuda a alguns parentes e amigos, aconselharam-me vir para o Brasil em busca de socorro de parentes ricos, tentando solucionar os meus problemas financeiros. CONTINUA
Foi assim que na madrugada de uma noite gelada e chuvosa do dia 14 de Janeiro de 91, tomaria o ônibus no Algarve com destino a Lisboa e aí embarcaria rumo ao famoso Brasil, berço de muitas riquezas obscuras, rumo ao futuro incerto, rumo ao desconhecido... Para trás ficava uma página da história da minha vida, uma vivência já constituída, uma esposa que não quis acompanhar-me e uma filha de treze anos, que no mínimo era uma parte do meu coração. Mas, parece que tudo isso estava escrito no meu dramático destino... Finalmente, após uma escala de cerca de uma hora e meia no Recife, chegaríamos ao Galeão e daí a S. Paulo, onde me aguardava um primo radicado em S. Bernardo do Campo. Enfim, aportava num país estranho, apesar de falar a mesma língua e dos laços que nos unem, com o coração apertado, mas ao mesmo tempo com alguma esperança em solucionar os problemas que me afligiam. Assim prosseguiria a minha odisséia terrena por este país irmão. Um tanto contrariados, esses parentes que não iam muito com a minha cara, aceitaram-me com alguma reserva, e comecei a trabalhar com eles. Embora não me sentisse à vontade nessa área de trabalho, não tinha alternativa de sobrevivência. Passado cerca de um ano e meio e sem qualquer estímulo, cometi alguns deslizes e fui mandado embora sem qualquer reconsideração, por ordem de um primo meu que, por ironia do destino, foi parar nesse grupo, por minha indicação, quando do regresso de Angola, na primeira tentativa de trabalhar com eles; ele ficou e acabou tornando-se sócio; eu não gostei e voltaria para Portugal em Abril de 76. Não é difícil imaginar o desgaste emocional e psicológico, não fora o reencontro de um amor de vidas passadas, em Pirassununga, quando gerenciava um posto de estrada dessa parentela rica. Após a atração recíproca com essa estranha mulher..., entre cerca de sessenta que faziam caravana para o programa do Sílvio Santos, consolidaríamos o nosso relacionamento, enfrentando juntos o tormentoso porvir, e cuja união conjugal se consumaria pelo casamento em 2002. Como a companheira era de Ribeirão Preto, eis o motivo porque me encontro nesta belíssima, calorenta e acolhedora cidade. Sem documentação, e sem alternativa, fomos impelidos a aceitar a oportunidade de trabalho surgida na Chácara dos Despachantes desta cidade, como caseiros, para podermos sobreviver com dignidade e respeitabilidade. Amargurado e meditando na queda profissional vertiginosa a que havia chegado, ainda sem o respectivo discernimento e, após duas experiências que nada me disseram em outros tantos credos religiosos, alguém sugeriu a ida a um centro espírita. De praticamente ateu em tempos idos da juventude, muito arraigado a conceitos científicos existenciais, começava a brotar a vertente religiosa - que o orgulho e a vaidade haviam relegado para segundo plano - após os tormentos e agonias a que me havia exposto. Foi nesse estado de ânimo que, pela primeira vez, em Abril de 95 entraria num centro espírita desta cidade. CONTINUA
Foi um deslumbramento, como que um banho de luz invadisse todo o meu ser. Parecia ter encontrado o que em vão procurara. Abraçaria com toda a minha alma aquela realidade que se evidenciava aos meus olhos. Encontrava finalmente a razão dos meus padecimentos, e com isso a paz de espírito e a tranquilidade tanto ambicionadas, apaziguando o meu ânimo e a minha ansiedade. Descortinava-se, enfim, a página mais iluminada da minha vida, embora na prática da atividade profissional aparentemente inferior, resignando-me à realidade. Devorava agora os livros espíritas emprestados, porque não tinha dinheiro para comprá-los. O primeiro foi o Céu e o Inferno e depois os de André Luís. Frequentava o centro duas vezes por semana, e após algum tempo, fui indigitado pela espiritualidade para fazer a revisão e passar a limpo todas as mensagens psicografadas por um médium desse centro, causando desconforto em alguns companheiros pelo fato de eu trabalhar como caseiro, sem conhecerem o meu curriculum académico Um ano após a frequência desse centro e devido a problemas administrativos, perdi a motivação de frequentá-lo e tive a ideia de organizar um pequeno grupo de interessados, no local em que trabalhávamos e morávamos, ou seja, no condomínio Chácaras Internacionais, junto do Portal dos Ipês. Faríamos o estudo sistemático do Evangelho, todos os dias, exceto aos sábados e domingos, durante cerca de uma hora. Terminado este estudo no final de 96, iniciávamos em 97 o estudo do Livro dos Espíritos, quando pela primeira vez se manifestou o guia e mentor espiritual da médium que fazia parte desse grupo, e que morando na mesma rua, solicitou a frequência do mesmo. Embora o natural receio inicial, fomo-nos aperfeiçoando e acostumando a essa presença espiritual que nos ajudou nesse estudo. Posteriormente, o nosso trabalho seria extensivo ao atendimento e doutrinamento de espíritos sofredores. Outros trabalhos, entretanto, surgiriam: seríamos solicitados a um atendimento fraterno no Hospital S. Francisco por cerca de um mês, a pedido da mãe da médium, frequentadora assídua de um renomado centro espírita da cidade. Daríamos passes a uma paciente que solicitara assistência espiritual, por se recusar a fazer uma cirurgia num olho completamente fechado pelo inchaço em que se encontrava, mas cujo problema não residia propriamente no olho, mas apenas lhe era consequência. CONTINUA
Ao fim de um mês, depois de uma visita diária, autorizada pelo hospital para a dádiva do passe, e através da orientação espiritual do nosso mentor, a paciente recuperou totalmente a visão e teve a respectiva alta hospitalar sem ter efetuado qualquer cirurgia. Assim prosseguiam os nossos trabalhos e estudos de toda a obra de Kardec. Saberia, entretanto, entre muitas outras coisas, os motivos que provocaram a atração da minha atual esposa, consequência amorosa do pretérito. Por isso, o reencontro desta existência para reparação da dívida contraída por um envolvimento emocional não correspondido, resultando no nascimento de uma filha e de uma netinha que sequer chegara a conhecer, e que hoje retornam ao nosso convívio, através da mesma mãe e netinha, que hoje é do coração, e que estamos ajudando a criar. Saberia também a razão de não ter conseguido o tão almejado curso superior, apesar das precoces faculdades intelectuais. De fato eu me programara para que isso não acontecesse, em virtude da minha forte tendência para a vertente científica das coisas. Colocar-me-ia à margem da religiosidade e, com um “canudo” nas mãos, não estaria fazendo a apologia desta doutrina. Daria assim um grande contributo à minha elevação espiritual, ofuscando temporariamente a vertente científica, e confirmando que não foi por acaso a nossa expulsão da longínqua Capela. Prosseguia assim a nossa odisséia de regeneração espiritual. Em 2000 iniciávamos uma nova actividade profissional de porteiro em condomínio residencial. Mudamos para o centro da cidade, dissolvendo-se aquele grupo inicial e daríamos sequência às nossas reuniões mediúnicas através da nossa esposa, que, entretanto, desenvolvera a sua mediunidade. Não obstante, foi a irmã Clara que em duas reuniões em Outubro de 2000, vaticinou que eu iria escrever um livro, e que, apesar de muitas dificuldades, seria publicado entre cinco a oito anos. O tempo passava e eu não conseguia uma pista que me indicasse o rumo para a feitura desse livro, apesar de estar consciente das dificuldades encontradas na leitura das obras de Kardec que haviam sido objeto do nosso estudo. Foi só no final de 2004 que tive a intuição de fazer novas versões das obras de Allan Kardec, através do seguinte raciocínio: esse notável pedagogo francês, com o seu trabalho histórico da descoberta do mundo espiritual e, como tal, da nossa autêntica realidade espiritual, será para sempre um marco determinante no conhecimento existencial do homem. Como tal, mereceria que os seus livros estivessem também à altura do seu nome, isto é, bem elaborados, confeccionados e com uma apresentação que motivasse a leitura espontânea de quem quer que seja. Sendo uma ideia muito arrojada, e para que não pairassem quaisquer dúvidas, solicitei da espiritualidade se eu teria permissão para tal desafio. CONTINUA
E a resposta foi categórica: “tudo que seja feito para melhoria e aperfeiçoamento será sempre bem vindo”. Foi aí que a ficha caiu e comecei a dar corpo a essa realidade, pois ainda não tinha computador nem os originais de Kardec. Passado pouco tempo, consegui adquirir o computador e sabendo que uma moradora do prédio em que trabalhava ia viajar pela França, consegui que ela me trouxesse O Evangelho e o Livro dos Espíritos, não conseguindo encontrar os outros. Contudo, foi uma vitória muito grande, conseguindo tudo o que precisava para essa primeira empreitada. Assim, em Abril de 2005 ensaiava os primeiros esboços da nova versão do Livro dos Espíritos de minha autoria, com o simples propósito de tornar a sua leitura mais fácil e compreensível a todos aqueles que tivessem o firme desejo de fazê-lo. Apesar de muitos obstáculos e contrariedades, acabou sendo publicado a tempo de ser lançado na bienal da feira do livro de S. Paulo em 2008, conforme o vaticínio da espiritualidade em Outubro de 2000. A partir de agora, a sequência desta trajectória pode ser apreciada no nosso site: www.olivrodosespiritos.com.br, que acompanha esta explanação. Tenho muito orgulho em ser Felgueirense, do concelho de Moncorvo, e espero um dia poder apresentar o meu trabalho em Portugal. Não obstante, enquanto isso não se materializa, podem obtê-lo pela internet, embora na versão brasileira, mas, como é natural, com leitura perfeitamente acessível, podendo considerar-se como acréscimo cultural. Apelo a todos, desde o pobre ao mais rico, desde o menos aquinhoado intelectualmente ao de maior expoente académico, ao católico ou de qualquer outra expressão religiosa, que se dispam dos preconceitos e constrangimentos inerentes aos tempos medievais. Estamos no século XXI, o século da lógica matemática, cuja sublimação materializou o computador. Analogicamente e criada por mim esta expressão, considero O ESPIRITISMO, a sublimação das religiões. É a única que nos diz de onde viemos, porque viemos e para onde iremos após a morte física. Ninguém se esqueça que vivemos em função de uma lei de causa e efeito. Por isso ninguém ficará imune à JUSTIÇA DIVINA. Qualquer infração, seja de que ordem for, tenha a dimensão que tiver, sofrerá a respectiva punição, em qualquer época nesta ou em outra vida. Pensem bem aqueles que andam transviados por rumos incertos e obscuros da vida que tudo que fizerem de errado será pago com “juros e correção monetária”. Bem hajam aqueles que, por outro lado, enveredarem pelo caminho do bem. Ribeirão Preto, 2011
Olá Júlio: Fiquei estarrecido ao constatar nesta madrugada de terça feira a publicação neste blog de um pedaço da minha odisseia desta vida terrena há vários meses prometido pelo Leonel (Lello DeMoncorvo). Cheguei a duvidar que ele tivesse a coragem de publicar um assunto num terreno ainda dominado pelo catolicismo. Por isso a minha grande admiração e os meus parabéns ao Leonel pela coragem e audácia. A verdade deve ser dita doa a quem doer, ainda que muitos não a queiram encarar. Espero sinceramente que esta semente vá caindo em terrenos bem férteis e ávidos de frutificação, podendo multiplicar-se vertiginosamente, a bem de toda a humanidade. Muito obrigado caro Leonel. Fraternal abraço Alberto
Fiquei muito sensibilizado quando na madrugada da passada terça-feira vislumbrei o blog dos "farrapos"... com o meu trabalho. Após tanto tempo sem nada de concreto, confesso que cheguei a duvidar, devido ao conteúdo da mensagem, num terreno completamente eivado de profundas e ancestrais raízes católicas... Por isso, mais reverencio a sua coragem em dar um contributo muito importante para clarear algumas mentes ávidas de conhecimento e colocar em dúvida outras tantas, pois sei que existem ainda aquelas que perante a maior evidência dos factos, teimam em não aceitar ou acreditar no óbvio... Em tempos procurei saber a sua idade, mas ainda não obtive resposta... MUITO E MUITO OBRIGADO POR ESSE GESTO MARAVILHOSO DE ABERTURA AO CONHECIMENTO. Frateral abraço Alberto Adriano Maçorano Cardoso
Eu sou natural de Felgueiras, mas saí daí com 4 anos. Por isso não conheço quase ninguém da minha família. O meu pai mora no Carvalhal,de nome José Luís Cardoso,um homem honrado e de muita fibra para o trabalho e para a vida. Se um
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Eu tenho um texto que apresentei em uma exposição com um resumo daminha trajetória de vida, mas que irei aperfeiçoar para depois vos
enviar, e que será de uma grande importância ter visibilidade no vosso blog.
Entretanto pode acessar o meu novo site que acabou de ir para o ar:
www.olivrodosespiritos.com.br
Um grande abraço
Alberto Maçorano
Prezados conterrâneos:
ResponderEliminarDei-me conta da minha realidade existencial, quando me encontrava numa fazenda de café, bem no interior de Angola, ainda colónia de Portugal, para onde os meus pais tinham emigrado em 1951, quando eu tinha quatro anos de idade. Aí permaneceria até aos quatorze anos, marcando definitivamente a minha infância e juventude. As carências educacionais eram gritantes. A única escola pública encontrava-se a cerca de 20 km de distância, numa vila chamada na época de Vila Salazar, sem quaisquer meios de transporte, e os meus pais não tinham condições financeiras de suportar uma estadia nessa vila. Apesar de ter sido alfabetizado pela minha mãe, que apenas tinha a 3ª classe, havia a necessidade de frequentar uma instituição de ensino. Relativamente perto da fazenda havia uma missão, dita americana, que até hoje não sei a razão dessa existência, que servia de igreja, aos domingos, e onde se ministrava também gratuitamente o ensino primário. Todos os seus professores e dirigentes eram negros. Devia ter uma frequência de mais de cem alunos negros, e os brancos não chegariam a dez. Os meus pais relutaram durante algum tempo, pelo preconceito, em me colocarem aí para estudar. Porém, como o tempo passava, e sem alternativa, ultrapassaram essa barreira e aí concluímos o ensino primário. Com orgulho, afirmo hoje, serem negros os meus primeiros professores.
Sem me dar conta da importância desse significado, guardo algumas lembranças de ouvir os dirigentes da fazenda dizer que eu era muito inteligente, oferecendo-me presentes que evidenciavam agilidade intelectual, tais como carrinhos que vinham desmontados e precisavam ser montados para funcionar. Tenho presente um carrinho que me foi oferecido todo em peças. Tinha uma chave para dar corda, e depois de pronto, e ter dado corda, começava a deslizar. Era um espanto para os meus pais, que ficavam muito admirados por eu conseguir por aquela engenhoca a funcionar, e daí a fama de inteligente começou a espalhar-se.
Iniciava-se assim a minha saga por terras africanas. Terminado o primário nessa missão americana, ficaria por aí, pois só havia estudos secundários em Luanda, a capital, que distava cerca de trezentos quilômetros, sendo completamente inviável para os meus pais, pois só os fazendeiros tinham essa possibilidade. Porém, por uma feliz coincidência, iniciava-se em 1960, na Vila Salazar de então, a abertura de um colégio particular com estudos secundários, o chamado Colégio Oliveira Martins. E foi aí, com algum sacrifício e muita vontade dos meus pais, que eu iniciei os estudos secundários, começando pela admissão ao liceu, obrigatório nesses tempos.
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Não foi muito fácil enquadrar-me naquele vilarejo, pois eu vinha de uma fazenda, de isolamento total, sem qualquer convívio, além de uma timidez que me acompanha desde que me conheço. Apenas para ilustrar esse fato, uma vez, quando teria seis ou sete anos, o gerente da fazenda passou de jipe pela nossa casa, onde eu e o meu irmão brincávamos, perguntando para onde o meu pai tinha ido, e eu, muito tímido, pedi ao meu irmão, mais novo dois anos, que respondesse.
ResponderEliminarNão obstante, fazia sucesso no colégio. O meu nome era amplamente conhecido e eu era de longe, o melhor aluno da classe. Recordo-me que tinha uma habilidade muito grande para desenhar. O nosso compêndio de História de Portugal tinha um esboço fotográfico de todos os reis. Ao sábado tínhamos desenho livre, e eu tive a paciência de desenhar todos os reis de Portugal com tanta perfeição, causando espanto aos próprios professores. Esses desenhos foram arquivados numa pasta que foi para uma exposição dos trabalhos do colégio e nunca mais soube dela, guardando alguma mágoa por não tê-la hoje comigo.
Guardo outra recordação, agradável e desagradável, ao mesmo tempo: toda a classe primária ficava em uma sala do colégio, e era apenas uma professora que ministrava o ensino. Eu tinha uma memória fantástica. O ensino em Angola era exactamente igual ao ministrado em Portugal. Na disciplina de Geografia, estudávamos a geografia física de Portugal, e, por exemplo, sabia de cor as serras, os rios e seus afluentes, nascentes, etc. Então, enquanto a professora ensinava os alunos da 1ª, 2ª e 3ª classe, pedia-me que eu interrogasse os colegas da 4ª classe e admissão ao liceu, nessa matéria, e eu devia anotar no quadro as respostas erradas. Na minha ingenuidade, seguia escrupulosamente as diretrizes da professora. Certo dia, anotei no quadro os erros de um colega muito mais novo do que eu, filho do proprietário de uma pensão dessa vila, por sinal, um molequinho todo metido e aburguesado.
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Quando fomos para o recreio, foi aquela correria e o safadinho perseguiu-me e na correria pregou-me uma rasteira e acabei caindo e estatelando-me no chão. No mesmo instante, outros colegas alertaram-me da chegada dos meus pais que me vinham visitar e trazer alguns mimos. Levantei-me de imediato e corri para os meus pais como se nada tivesse acontecido, pois, no meu íntimo, quis demonstrar ao tal pestinha, que a sua intervenção não me abalara.
ResponderEliminarCuriosamente, estou narrando este acontecimento pela primeira vez, e só agora me dou conta que nunca contei aos meus pais, nem a ninguém, esta minha faceta de estudante, nem a tal queda provocada por aquele safadinho, pois, tudo aquilo me parecia muito natural. Só hoje reconheço, ao fazer esta retrospectiva, que, na realidade demonstrava um desenvolvimento intelectual superior aos demais colegas, pois só eu seria indigitado para essa tarefa.
Fazendo aqui um parêntese, vou contar rapidamente um acontecimento trágico relacionado com esse colega. Posteriormente, passados cerca de sete anos, já me encontrava em Luanda, o meu pai era proprietário de uma pensão e não sei como ele veio hospedar-se nela, prosseguindo os estudos no mesmo ano em que eu me encontrava. Apesar dos anos que passaram, eu continuava com a minha inibição, e embora ele estivesse hospedado na pensão do meu pai, eu não tinha muita conversa com ele. Não posso afirmar categoricamente, pois já foi há tantos anos e não guardo uma lembrança firme do que vou dizer, mas talvez alimentasse algum ressentimento, alguma mágoa, pensando que agora se revertiam as posições. No passado eu era um simples caipira e ele um pequeno burguês. Agora eu estava na capital e ele hospedado na pensão do meu pai. Não sei se isso influenciou o nosso distanciamento. Na verdade eu havia perdido um ano escolar no liceu, por motivos bem particulares, e por incrível que pareça, relacionado com a timidez. E ele, passados aqueles anos em que eu já deveria estar mais avançado, veio encontrar-me no mesmo ano de estudo, o que reflete que ele também derrapou, e sabendo do meu famoso passado, era uma glória para ele estar em igualdade de circunstâncias. Um belo dia disse-me, na sequência de determinada conversa que não me ocorre, que a pensão do meu pai era a pensão da morte lenta... De imediato nem me apercebi do sentido dessa frase, e eu simplesmente calei e desviei a conversa. Algum tempo depois, saiu da pensão e foi para outra bem pertinho da nossa, cerca de uns 100 metros, numa rua transversal. Tempos depois, fiquei sabendo que morrera eletrocutado na cama metálica dessa pensão. Ainda não devia ter vinte anos. Na pensão do meu pai isso não teria acontecido, porque as camas eram de madeira... Ironias do destino...
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Voltando ao Colégio, os estudos prosseguiam normalmente, e no final do ano lectivo fomos fazer exame em Luanda, no Liceu local e acabei passando com distinção. Entretanto, os meus pais, passados onze anos de trabalho nessa fazenda, viajaram a Portugal, levando a minha irmã que nascera em Angola, para iniciar lá os estudos primários, uma vez que sendo menina, era mais problemático colocá-la na tal missão onde eu e o meu irmão estudáramos. Decorria o ano de 1960 e aproximava-se o início do ano lectivo que era em Setembro, e os meus pais, em Portugal, na santa ignorância, sequer se lembraram de me matricular. Por outro lado, não posso afirmar se era intenção deles possibilitarem-me a sequência dos estudos, e eu também perdido naquele fim de mundo com o meu irmão, sem contacto com a civilização, sequer cogitava o rumo a seguir, aguardando o seu regresso.
ResponderEliminarA surpresa foi muito grande e perplexa quando o dono e diretor do colégio, juntamente com a minha ex-professora, se apresentaram de taxi, na fazenda, indagando os motivos de não me terem ainda matriculado. Eu respondi que os meus pais estavam em Portugal. Então eles disseram que um aluno como eu não poderia deixar de estudar, mesmo que eles tivessem que assumir os meus estudos. E foi assim que eles providenciaram a minha matrícula no 1º ano do antigo 1º ciclo. Estava então com treze anos de idade.
Entretanto os meus pais regressaram de Portugal com ideias predeterminadas, tomando novos rumos para facilitar que eu e o meu irmão prosseguíssemos os estudos. Para tanto, despediram-se da fazenda e abriram uma pensão em Luanda. Como já havíamos iniciado o período escolar nesse colégio, tivemos que dar sequência até ao final desse período, que terminaria em Dezembro, findo o qual fomos para Luanda onde já se encontravam os nossos pais, que já nos haviam matriculado em um colégio local. Por sinal, foi a última vez que eles efetuaram as nossas matrículas. A partir daí, eu e o meu irmão é que providenciáva-mos tudo relacionado aos nossos estudos. Hoje é muito comum verem-se os pais atrelados aos filhos até nas faculdades, para cuidarem dos seus estudos...
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Foi assim, com alguma tristeza, que abandonaríamos para sempre aquela vilazinha provinciana, onde demos os primeiros passos académicos que nos dariam as mais gratas recordações estudantis, ou seja, fazendo uma analogia com os tempos atuais, onde fizemos por merecer a medalha de ouro de toda a nossa atividade escolar. Um pequeno parêntese, mais uma vez. Esse colégio, que começou por ser o único nessa vila, era muito disciplinado e tinha um ensino muito exigente, obtendo resultados espetaculares no aproveitamento dos alunos. Outro colégio apareceu e, como infelizmente se verifica, até aos dias de hoje, os que se evidenciam começam a ser perseguidos, e tanto fizeram até que o colégio teve que fechar; mudando-se os seus proprietários para Luanda. Quando me encontrava no último ano do ensino secundário, surpreendentemente, o diretor e a minha professora primária apareceram na pensão do meu pai para nos fazerem uma visita. Eu cheguei a ir ao local em que continuavam ministrando o seu grande saber e nunca mais tive notícias dos meus primeiros grandes mestres académicos. Lembro-me agora que também chegámos a ter a visita na pensão, do meu primeiro professor negro, na tal missão em que estudei quando morávamos na fazenda, e que também se tinha mudado para Luanda. Ele era o diretor dessa missão e chamava-se Zeferino.
ResponderEliminarCom a minha ida para Luanda, outro ciclo de vida se desenhava no meu horizonte. Apesar de ter continuado a ser um aluno de destaque nos restantes anos, ficando sempre entre os dois primeiros da classe, nunca mais tive o “glamour” daquele primeiro ano vivido naquela pequena vila do interior de Angola. Luanda era uma cidade bem maior, com mais solicitações que desviavam as nossas concentrações estudantis. Dávamos também pequena colaboração ao meu pai nas tarefas da pensão e assim restava pouco tempo para nos dedicarmos afincadamente aos estudos. Mas o nosso destino..., estava escrito no cadastro espiritual.
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Chegou a hora do serviço militar obrigatório, e como iniciáramos os estudos com idade avançada, não tivemos o privilégio de uma graduação antes dessa etapa. Portugal defrontava-se com uma guerrilha de libertação, iniciada em 1961, que culminaria em 1974 com a célebre “revolução dos cravos” em Portugal, abreviando a independência de todas as colónias portuguesas. Ingressei no serviço militar antes de concluir o antigo 3º ciclo, que aconteceria logo depois, dando-me o direito de frequentar o curso de oficiais, ao qual renunciaria, pelo receio de ser enviado à frente de batalha, uma vez que, como furriel miliciano, eu permaneci em Luanda, numa repartição do Quartel General das Forças Armadas em Angola. Concluído o serviço militar de quase quatro anos, o meu pai ainda me pressionou para ingressar na faculdade, para tirar um curso superior, que era o sonho dele e meu também, pois naquela época tinha situação financeira favorável e ele pretendia ajudar-me, mesmo depois de casado. Porém, costuma-se dizer que quem casa quer casa... Além disso, e por incrível que pareça, devido à grande facilidade em assimilar qualquer matéria, não se me deparou um objetivo motivador, perdendo o estímulo em prosseguir nos estudos, optando por trabalhar no banco e seguir em frente com essa atividade profissional.
ResponderEliminarAmanhecia o dia “25 de Abril de 1974” e as notícias começavam a surgir desencontradas. Não se sabia ao certo o que havia acontecido; as comunicações com Portugal haviam sido interrompidas; o suspense pairava no ar. Aos poucos os boatos tornam-se realidade, e um golpe militar acontecera em Portugal. A apreensão apoderou-se das populações; não se sabia o que iria acontecer. A ditadura salazarista havia sido derrubada e vários governos provisórios foram-se instalando com o propósito de implantar a democracia e devolver a independência às colónias.
Depois do brilhantismo com que as forças armadas haviam derrubado a velha ditadura, sem derramamento de sangue, pairou uma grande expectativa em relação ao futuro de Portugal e das suas colónias. Passado algum tempo, as esperanças depositadas na chamada “revolução dos cravos” começavam a esvair-se. O mitológico partido comunista português (PCP), que atuava na clandestinidade e emergiu nesta revolução como o “salvador da Pátria”, iludiu o imaginário de grande parte da população portuguesa, sobretudo a juventude irresponsável, que não admitia e sequer vislumbrava ter saído da ditadura Salazarista, para adoptar um partido subsidiado e lendo a mesma cartilha da mais feroz ditadura que o mundo conhecera: o stalinismo; começava a tomar praticamente as rédeas do poder, mesmo que indiretamente.
A administração política portuguesa começou a enveredar por caminhos obscuros, vivenciando momentos críticos e tensos, optando por decisões desastrosas para o futuro das populações africanas. As independências seriam concedidas sem o mínimo respeito e segurança das suas populações. Sem esse pressuposto, a debandada dos portugueses e de muitos africanos para a mãe pátria, foi uma realidade.
ResponderEliminarO caos instala-se em Portugal, atrasado e na cauda da Europa, por força da política salazarista, completamente despreparado para receber o retorno de todos os seus filhos. Foi nesse estado de sítio que aí desembarcámos em Setembro de 75. Passaríamos ainda por um breve período de oito meses, (Setembro de 75 a Abril de 76) pelo Brasil, com o intuito de trabalhar com uns parentes ricos, não me adaptando, todavia, a esse tipo de trabalho. Faria um estágio de quatro meses no Banco Real em S. Paulo, para gerente, mas as condições de trabalho da época eram muito opressoras; resolvi retornar ao velho Continente, e em Fevereiro de 77 ingressaria na Caixa Geral de Depósitos, em Lisboa. Como as minhas raízes estavam no Norte, passados dois meses conseguíamos a transferência para o Porto, onde acabaria por me radicar.
Três acontecimentos importantes marcariam a minha vida no ano de 78. Em Janeiro aconteceria o nascimento da minha primeira e única filha, e em Agosto a aquisição de casa própria, que me daria a possibilidade de me introduzir na alimentação macrobiótica, que, entretanto havia conhecido e pratico até aos dias de hoje. Alimentação essa que me traria muitos dissabores e desavenças com a minha esposa de então, professora do ensino primário. Não aceitava a minha imposição em incorporar essa alimentação nos hábitos alimentares da filha de seis meses, que acabou prevalecendo parcialmente, pois em nossa casa seguia mais ou menos esse regime, mas em casa dos avós maternos, onde ficava, quando íamos trabalhar, seguia os hábitos comuns.
É claro que o relacionamento conjugal se desgastou muito.Todavia, o nosso quotidiano decorria num ambiente de aparente harmonia e tranquilidade. Emagreci 25 kg em relativamente pouco tempo, resolvendo quase todos os problemas de saúde que me afetavam nesse momento. Não faltaram os vaticinadores da má sorte, parentes e colegas de trabalho, insinuando que em pouco tempo iria parar ao hospital. Mas a minha convicção era tão grande que nada me desviou do meu rumo. Passados 33 anos a minha saúde é melhor do que naquela época. Raramente uso medicamentos. E, com certeza, as farmácias iriam à falência se tivessem que contar comigo como cliente. Já fui opositor ferrenho da medicina convencional. Todavia, hoje, com o conhecimento adquirido no espiritismo, já tenho mais respeito por essa ciência, sobretudo, pelos seus profissionais, que, pese embora alguns maus exemplos, são, de uma maneira geral, profissões com muita dedicação ao próximo.
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Por ironia do destino, costuma-se dizer que pela boca morre o peixe..., seria também essa alimentação que se tornaria no pretexto para protagonizar o colapso que avassalaria a minha vida. De fato, passei por algum fanatismo durante o começo desse regime alimentar. E depois de ler tantos livros sobre alimentação e produtos alimentares integrais, idealizei o fabrico de um pão integral, não existente no mercado e que seria o ideal para uma alimentação saudável. Conforme pensei, assim executei. Saí do Banco em 1989, vendi o apartamento, comprei um terreno e comecei a construir uma casa com a instalação de uma padaria no rés-do-chão. Criei a infra-estrutura adequada através de financiamentos, e quando foi para a execução, foi um fracasso total. Abandonei esse projeto e tentei salvar o investimento através da exploração de padarias comuns. Arrastei-me assim por cerca de dois anos. Numa dessas situações, no Algarve, cheguei a trabalhar por mais de 20 horas diárias. Começava pelas 23 horas, participando ativamente no fabrico do pão. Pelo amanhecer tomava um banho e fazia depois uma distribuição. Por várias vezes adormecia ao volante, e quando me dava conta já estava rodando na contramão, mas parece que uma mão miraculosa me despertava do torpor momentâneo e retomava novamente o rumo certo. Foram muitas vezes que isso aconteceu. Almoçava e ia fazer compras da matéria prima e depois a contabilidade, após a prestação de contas dos outros vendedores. Deitava-me pelas 19.00 horas para me levantar às 23,00 e recomeçar novamente. Era uma luta desesperada e inglória pela sobrevivência...
ResponderEliminarCerto dia, de tão cansado, aconteceu um episódio que nunca mais esquecerei. Ao terminar de fazer a tal contabilidade, contei o dinheiro que havia recebido para depositar no banco e quando me aprontava para ultimar tudo e deitar-me, dei falta de duas notas de dez contos cada uma. Procurei por todo o lado, e não conseguia encontrar as tais notas que eu tinha certeza de terem passado pelas minhas mãos. Revirei tudo, e só passado algum tempo me deu um clique na cabeça e procurei no cesto dos papeis, quando descortinei as duas notas rasgadas ao meio. Imagine-se o meu consciente, para rasgar duas notas sem me aperceber. Desnecessário comentar... Colei-as e andei com elas durante muito tempo como recordação, mas, por necessidade, acabei desfazendo-me delas.
Assim decorria a minha insistência tormentosa em remar contra a maré. Com todos os sacrifícios, não conseguia honrar os compromissos assumidos lá atrás, naquele desastre inicial, e nunca mais consegui neutralizá-lo, chegando ao colapso. Solicitando ajuda a alguns parentes e amigos, aconselharam-me vir para o Brasil em busca de socorro de parentes ricos, tentando solucionar os meus problemas financeiros.
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Foi assim que na madrugada de uma noite gelada e chuvosa do dia 14 de Janeiro de 91, tomaria o ônibus no Algarve com destino a Lisboa e aí embarcaria rumo ao famoso Brasil, berço de muitas riquezas obscuras, rumo ao futuro incerto, rumo ao desconhecido... Para trás ficava uma página da história da minha vida, uma vivência já constituída, uma esposa que não quis acompanhar-me e uma filha de treze anos, que no mínimo era uma parte do meu coração. Mas, parece que tudo isso estava escrito no meu dramático destino...
ResponderEliminarFinalmente, após uma escala de cerca de uma hora e meia no Recife, chegaríamos ao Galeão e daí a S. Paulo, onde me aguardava um primo radicado em S. Bernardo do Campo. Enfim, aportava num país estranho, apesar de falar a mesma língua e dos laços que nos unem, com o coração apertado, mas ao mesmo tempo com alguma esperança em solucionar os problemas que me afligiam.
Assim prosseguiria a minha odisséia terrena por este país irmão. Um tanto contrariados, esses parentes que não iam muito com a minha cara, aceitaram-me com alguma reserva, e comecei a trabalhar com eles. Embora não me sentisse à vontade nessa área de trabalho, não tinha alternativa de sobrevivência.
Passado cerca de um ano e meio e sem qualquer estímulo, cometi alguns deslizes e fui mandado embora sem qualquer reconsideração, por ordem de um primo meu que, por ironia do destino, foi parar nesse grupo, por minha indicação, quando do regresso de Angola, na primeira tentativa de trabalhar com eles; ele ficou e acabou tornando-se sócio; eu não gostei e voltaria para Portugal em Abril de 76.
Não é difícil imaginar o desgaste emocional e psicológico, não fora o reencontro de um amor de vidas passadas, em Pirassununga, quando gerenciava um posto de estrada dessa parentela rica. Após a atração recíproca com essa estranha mulher..., entre cerca de sessenta que faziam caravana para o programa do Sílvio Santos, consolidaríamos o nosso relacionamento, enfrentando juntos o tormentoso porvir, e cuja união conjugal se consumaria pelo casamento em 2002.
Como a companheira era de Ribeirão Preto, eis o motivo porque me encontro nesta belíssima, calorenta e acolhedora cidade. Sem documentação, e sem alternativa, fomos impelidos a aceitar a oportunidade de trabalho surgida na Chácara dos Despachantes desta cidade, como caseiros, para podermos sobreviver com dignidade e respeitabilidade.
Amargurado e meditando na queda profissional vertiginosa a que havia chegado, ainda sem o respectivo discernimento e, após duas experiências que nada me disseram em outros tantos credos religiosos, alguém sugeriu a ida a um centro espírita.
De praticamente ateu em tempos idos da juventude, muito arraigado a conceitos científicos existenciais, começava a brotar a vertente religiosa - que o orgulho e a vaidade haviam relegado para segundo plano - após os tormentos e agonias a que me havia exposto. Foi nesse estado de ânimo que, pela primeira vez, em Abril de 95 entraria num centro espírita desta cidade.
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Foi um deslumbramento, como que um banho de luz invadisse todo o meu ser. Parecia ter encontrado o que em vão procurara. Abraçaria com toda a minha alma aquela realidade que se evidenciava aos meus olhos. Encontrava finalmente a razão dos meus padecimentos, e com isso a paz de espírito e a tranquilidade tanto ambicionadas, apaziguando o meu ânimo e a minha ansiedade. Descortinava-se, enfim, a página mais iluminada da minha vida, embora na prática da atividade profissional aparentemente inferior, resignando-me à realidade.
ResponderEliminarDevorava agora os livros espíritas emprestados, porque não tinha dinheiro para comprá-los. O primeiro foi o Céu e o Inferno e depois os de André Luís. Frequentava o centro duas vezes por semana, e após algum tempo, fui indigitado pela espiritualidade para fazer a revisão e passar a limpo todas as mensagens psicografadas por um médium desse centro, causando desconforto em alguns companheiros pelo fato de eu trabalhar como caseiro, sem conhecerem o meu curriculum académico
Um ano após a frequência desse centro e devido a problemas administrativos, perdi a motivação de frequentá-lo e tive a ideia de organizar um pequeno grupo de interessados, no local em que trabalhávamos e morávamos, ou seja, no condomínio Chácaras Internacionais, junto do Portal dos Ipês. Faríamos o estudo sistemático do Evangelho, todos os dias, exceto aos sábados e domingos, durante cerca de uma hora. Terminado este estudo no final de 96, iniciávamos em 97 o estudo do Livro dos Espíritos, quando pela primeira vez se manifestou o guia e mentor espiritual da médium que fazia parte desse grupo, e que morando na mesma rua, solicitou a frequência do mesmo.
Embora o natural receio inicial, fomo-nos aperfeiçoando e acostumando a essa presença espiritual que nos ajudou nesse estudo. Posteriormente, o nosso trabalho seria extensivo ao atendimento e doutrinamento de espíritos sofredores. Outros trabalhos, entretanto, surgiriam: seríamos solicitados a um atendimento fraterno no Hospital S. Francisco por cerca de um mês, a pedido da mãe da médium, frequentadora assídua de um renomado centro espírita da cidade. Daríamos passes a uma paciente que solicitara assistência espiritual, por se recusar a fazer uma cirurgia num olho completamente fechado pelo inchaço em que se encontrava, mas cujo problema não residia propriamente no olho, mas apenas lhe era consequência.
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Ao fim de um mês, depois de uma visita diária, autorizada pelo hospital para a dádiva do passe, e através da orientação espiritual do nosso mentor, a paciente recuperou totalmente a visão e teve a respectiva alta hospitalar sem ter efetuado qualquer cirurgia.
ResponderEliminarAssim prosseguiam os nossos trabalhos e estudos de toda a obra de Kardec. Saberia, entretanto, entre muitas outras coisas, os motivos que provocaram a atração da minha atual esposa, consequência amorosa do pretérito. Por isso, o reencontro desta existência para reparação da dívida contraída por um envolvimento emocional não correspondido, resultando no nascimento de uma filha e de uma netinha que sequer chegara a conhecer, e que hoje retornam ao nosso convívio, através da mesma mãe e netinha, que hoje é do coração, e que estamos ajudando a criar. Saberia também a razão de não ter conseguido o tão almejado curso superior, apesar das precoces faculdades intelectuais. De fato eu me programara para que isso não acontecesse, em virtude da minha forte tendência para a vertente científica das coisas. Colocar-me-ia à margem da religiosidade e, com um “canudo” nas mãos, não estaria fazendo a apologia desta doutrina. Daria assim um grande contributo à minha elevação espiritual, ofuscando temporariamente a vertente científica, e confirmando que não foi por acaso a nossa expulsão da longínqua Capela.
Prosseguia assim a nossa odisséia de regeneração espiritual. Em 2000 iniciávamos uma nova actividade profissional de porteiro em condomínio residencial. Mudamos para o centro da cidade, dissolvendo-se aquele grupo inicial e daríamos sequência às nossas reuniões mediúnicas através da nossa esposa, que, entretanto, desenvolvera a sua mediunidade. Não obstante, foi a irmã Clara que em duas reuniões em Outubro de 2000, vaticinou que eu iria escrever um livro, e que, apesar de muitas dificuldades, seria publicado entre cinco a oito anos. O tempo passava e eu não conseguia uma pista que me indicasse o rumo para a feitura desse livro, apesar de estar consciente das dificuldades encontradas na leitura das obras de Kardec que haviam sido objeto do nosso estudo.
Foi só no final de 2004 que tive a intuição de fazer novas versões das obras de Allan Kardec, através do seguinte raciocínio: esse notável pedagogo francês, com o seu trabalho histórico da descoberta do mundo espiritual e, como tal, da nossa autêntica realidade espiritual, será para sempre um marco determinante no conhecimento existencial do homem. Como tal, mereceria que os seus livros estivessem também à altura do seu nome, isto é, bem elaborados, confeccionados e com uma apresentação que motivasse a leitura espontânea de quem quer que seja. Sendo uma ideia muito arrojada, e para que não pairassem quaisquer dúvidas, solicitei da espiritualidade se eu teria permissão para tal desafio.
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E a resposta foi categórica: “tudo que seja feito para melhoria e aperfeiçoamento será sempre bem vindo”. Foi aí que a ficha caiu e comecei a dar corpo a essa realidade, pois ainda não tinha computador nem os originais de Kardec. Passado pouco tempo, consegui adquirir o computador e sabendo que uma moradora do prédio em que trabalhava ia viajar pela França, consegui que ela me trouxesse O Evangelho e o Livro dos Espíritos, não conseguindo encontrar os outros. Contudo, foi uma vitória muito grande, conseguindo tudo o que precisava para essa primeira empreitada.
ResponderEliminarAssim, em Abril de 2005 ensaiava os primeiros esboços da nova versão do Livro dos Espíritos de minha autoria, com o simples propósito de tornar a sua leitura mais fácil e compreensível a todos aqueles que tivessem o firme desejo de fazê-lo. Apesar de muitos obstáculos e contrariedades, acabou sendo publicado a tempo de ser lançado na bienal da feira do livro de S. Paulo em 2008, conforme o vaticínio da espiritualidade em Outubro de 2000.
A partir de agora, a sequência desta trajectória pode ser apreciada no nosso site: www.olivrodosespiritos.com.br, que acompanha esta explanação.
Tenho muito orgulho em ser Felgueirense, do concelho de Moncorvo, e espero um dia poder apresentar o meu trabalho em Portugal. Não obstante, enquanto isso não se materializa, podem obtê-lo pela internet, embora na versão brasileira, mas, como é natural, com leitura perfeitamente acessível, podendo considerar-se como acréscimo cultural.
Apelo a todos, desde o pobre ao mais rico, desde o menos aquinhoado intelectualmente ao de maior expoente académico, ao católico ou de qualquer outra expressão religiosa, que se dispam dos preconceitos e constrangimentos inerentes aos tempos medievais. Estamos no século XXI, o século da lógica matemática, cuja sublimação materializou o computador. Analogicamente e criada por mim esta expressão, considero O ESPIRITISMO, a sublimação das religiões. É a única que nos diz de onde viemos, porque viemos e para onde iremos após a morte física.
Ninguém se esqueça que vivemos em função de uma lei de causa e efeito. Por isso ninguém ficará imune à JUSTIÇA DIVINA. Qualquer infração, seja de que ordem for, tenha a dimensão que tiver, sofrerá a respectiva punição, em qualquer época nesta ou em outra vida.
Pensem bem aqueles que andam transviados por rumos incertos e obscuros da vida que tudo que fizerem de errado será pago com “juros e correção monetária”.
Bem hajam aqueles que, por outro lado, enveredarem pelo caminho do bem.
Ribeirão Preto, 2011
Alberto Adriano Maçorano Cardoso
Alberto. Gosto de saber que continuas activo e orgulhoso da nossa aldeia, a nossa "pátria pequena". Um abraço. Júlio Andrade.
ResponderEliminarOlá Júlio:
ResponderEliminarFiquei estarrecido ao constatar nesta madrugada de terça feira a publicação neste blog de um pedaço da minha odisseia desta vida terrena há vários meses prometido pelo Leonel (Lello DeMoncorvo). Cheguei a duvidar que ele tivesse a coragem de publicar um assunto num terreno ainda dominado pelo catolicismo. Por isso a minha grande admiração e os meus parabéns ao Leonel pela coragem e audácia. A verdade deve ser dita doa a quem doer, ainda que muitos não a queiram encarar. Espero sinceramente que esta semente vá caindo em terrenos bem férteis e ávidos de frutificação, podendo multiplicar-se vertiginosamente, a bem de toda a humanidade.
Muito obrigado caro Leonel.
Fraternal abraço
Alberto
Caro Leonel:
ResponderEliminarFiquei muito sensibilizado quando na madrugada da passada terça-feira
vislumbrei o blog dos "farrapos"... com o meu trabalho.
Após tanto tempo sem nada de concreto, confesso que cheguei a duvidar,
devido ao conteúdo da mensagem, num terreno completamente eivado de
profundas e ancestrais raízes católicas...
Por isso, mais reverencio a sua coragem em dar um contributo muito
importante para clarear algumas mentes ávidas de conhecimento e
colocar em dúvida outras tantas, pois sei que existem ainda aquelas
que perante a maior evidência dos factos, teimam em não aceitar ou
acreditar no óbvio...
Em tempos procurei saber a sua idade, mas ainda não obtive resposta...
MUITO E MUITO OBRIGADO POR ESSE GESTO MARAVILHOSO DE ABERTURA AO CONHECIMENTO.
Frateral abraço
Alberto Adriano Maçorano Cardoso