Como é viver na Ribeira?
Nasceu pobre, rosto trigueiro, sorriso alegre e jovial. Fez-se moleira pela força do Destino. Sempre que tinha tempo, sentava-me no pátio da sua casa a fazer-lhe companhia…Encantava-me ouvir o “taque-taque” do crivo e, o jeito com que acarinhava o trigo mais pareciam afagos que, uma mãe dá a um filho em noites que, não quer adormecer…
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Saranda |
Deixe-me tentar… Deixe-me fazer a mim…Pois era boa! Nem pensar! O trigo não pode levar “granças”essas, são para as galinhas que tenho lá no moinho. Primeiro tenho que o crivar, de seguida baptizá-lo (molhá-lo) para o grão ficar mais mole e, o pão sair mais gostoso…Isto é só para quem sabe…Ainda me estragava a farinha e o moleiro havia de ficar zangado comigo…Bô!..Bô. Nem pensar!
E o diálogo prosseguia:
Cante-me a cantiga da “Saranda”…
Era um canto alegre e Primaveril de uma mulher que me deixava fascinada …diga-me:
Como é que é a Ribeira?
Aquilo é muito bonito!
Olhe! É, faz de conta um mar azul onde há pirilampos de mil cores e, à noite o céu até parece que tem mais estrelas…Eu que conhecia o mar em dias tempestuosos com ondas capazes de engolirem o Mundo, sorria-lhe enternecida...Percorria o povoado com uma carroça atrelada a um cavalo, dava uma pancada na porta e, todos a reconhecíamos...Boa mulher dizia o povo. Exímia na medição dos alqueires, não havia galinha por perto que pudesse encher o papo com algum grão desperdiçado…
Ah…! O seu “Zé” era um “Janota”…Sempre bem aperaltado…aparecia ao domingo na
Taberna, do “ti Jorge”camisinha de “Têvê” e calça preta vincada…Não era homem de copos mas, gostava de uma partida de sueca ou dominó e, pobre de quem com ele se metesse…Saía de bolsos vazios e sem jorna semanal.
E eu, a meter palhinha… a acirrar-lhe o juízo …a moer-lhe a paciência…
Consta-se por aí Sra. Rosa que, o seu homem às vezes é ruim e se leva de mil diabos…
Ergueu-se que, de orar já estava a ficar cansada, ou não fosse a sua vida uma penitência
Divina ergueu as mãos para o Céu e, exclamou!
Valha-me “Jasus” Maria e José! Ando eu a “moirar” de sol a sol, para ter dois tostões no bolso e, estas alcoviteiras andam a meter o “bico” naquilo que não lhes diz respeito! E se fosse? Cada um tem a sua cruz pois se, até Cristo que era Filho de Deus levou a sua ao Calvário!... Olhou as paredes à volta com receio que elas ouvissem aquilo que só eu podia ouvir e, num sussurro que, mais parecia um lamento respondeu-me:
Bem…para lhe dizer a verdade e sei que não é de “ditotes” às vezes soltam-se-lhe os “nérvios” e, é o “carago” para o aturar…Eu penso que é maleita porque aquilo passa-lhe logo e fica manso como um borrego…Mato um galo “pedrês” agasalho a barriga aos “raparigos” e quando dormem como anjos, agarra-me pela cintura, dá-me um beijo apertadinho e, está o circo montado…Eu desviava o olhar a fingir não entender…
Então Sra. Rosa saudava-a eu, sempre que a via com as “bestas” carregadas, já vai de novo para o moinho?
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Entre Ligares e Freixo |
Tem que ser! A vida é feita de trabalhos e agonias e, quem nada faz nada tem, para além de tudo é preciso ir buscar farinha fresquinha e, matar a fome ao povo.
Não quis a vida ou o Destino que, eu tivesse um moinho na Ribeira, matasse um galo “pedrês” e, recebesse de prenda esse beijo apertadinho de que ela me falou…Se calhar foi por eu ter medo de ouvir uivar os lobos em noite de lua cheia, ou quem sabe, se o motivo não seria a cantoria dos grilos que, em noites quentes de Verão, iriam por certo, perturbar esses momentos que, eu achava serem mágicos…
Nota: A cantiga da “saranda” era uma canção popular que as moleiras cantavam quando crivavam o trigo.
Ó “saranda” Ó “Saranda”/Vais agora “sarandar”/ É de noite é de dia/ É pela hora do luar.
“Saranda”: era uma peneira com rede em arame mais largo que era utilizada para crivar o trigo.
“Crivo”: era uma peneira de malha de arame mais estreito que era utilizada para crivar o centeio e a cevada.
“Granças”: era a sujidade que se encontrava no trigo.
Muito à pressa (só no fim de semana regressarei a casa e conto ter tempo para mais pormenorizada apreciação ) , quero deixar à Ireninha a minha impressão rápida sobre o seu texto acerca da moleirinha: simples, sentido (vivido?) e tocante.
ResponderEliminarDepois falaremos mais longamente, está bem?
Um bj.
Júlia
Gostei. Gostei mesmo...
ResponderEliminarPara quando um livro,para ser lançado aqui na "minha" Biblioteca?
Vamos aguardar.
Beijinho.
Olá meu querido amigo!
ResponderEliminarObrigada!Que acha falar-mos do "Título" no sítio do costume?Já começo a ficar com saudades das nossas "tertúlias" semanais...Beijinhos
Mais um belo texto de Irene Massa.Há uma família Massa em Freixo,terra de escritores.Quem sai aos seus...
ResponderEliminarM.F.
Olá SR. ou SRA MF!
ResponderEliminarOlhe que,em Urros,terra onde nasci,também há escritores não como Junqueiro mas, pessoas simples como eu que,vão escrevendo textos simples que,para meu contentamento vão agradando a leitores generosos.Muito obrigada.Irene
Mais um belo texto da senhora Dona Irene, que me deixou deliciada.Muito bem escrito! A terminologia que utiliza é muito expressiva e rica, permitindo-nos visualizar o ambiente e local em que o diálogo ocorreu, mesmo sem o conhecermos, tal é o realismo que imprime ao mesmo.Estes usos e costumes de antanho devem ficar registados, para que os vindouros possam lê-los. É uma riqueza cultural inegualável que não pode esbanjar-se. Daí a necessidade urgente e premente de ficarem consignados em livro. Por isso, senhora Dona Irene, mãos à obra. Fico a aguardar a publicação do mesmo. Um beijinho da M.ª do Sacramento.
ResponderEliminarAdorei o que escreveu, ao ler senti-me ainda em Trás-os-Montes a viver o dia a dia tal o realismo da descrição do texto. A menina tem muito geito para a escrita, não lhe conhecia o dom, por isso espero voltar a ler novas publicações suas.
ResponderEliminarBem hajam, os Farrapos de Memória, para podermos recordar o nosso Trás-os-Montes, através de pessoas como a menina Ireninha que descreve o regionalismo tal como ele é. Um beijo de Coimbra
Adorei o que escreveu, ao ler senti-me ainda em Trás-os-Montes a viver o dia a dia tal o realismo da descrição do texto. A menina tem muito geito para a escrita, não lhe conhecia o dom, por isso espero voltar a ler novas publicações suas.
ResponderEliminarBem hajam, os Farrapos de Memória, para podermos recordar o nosso Trás-os-Montes, através de pessoas como a menina Ireninha que descreve o regionalismo tal como ele é. Um beijo de Coimbra
Adorei o que escreveu, ao ler senti-me ainda em Trás-os-Montes a viver o dia a dia tal o realismo da descrição do texto. A menina tem muito geito para a escrita, não lhe conhecia o dom, por isso espero voltar a ler novas publicações suas.
ResponderEliminarBem hajam, os Farrapos de Memória, para podermos recordar o nosso Trás-os-Montes, através de pessoas como a menina Ireninha que descreve o regionalismo tal como ele é. Um beijo de Coimbra
Ireninha, parece que choveu naquele dia e o perfume do trigo daquela terra se esgueirou lentamente para o teu nariz, e aí, permaneceu,até que a tua escrita o libertou e espalhou por todos.
ResponderEliminarO pão alimenta o homem, tal como os poetas e escritores do povo alimentam o moinho da vida.
Gostei da ternura escondida do homem ruim.
Manuel Sengo
Olá Ireninha,
ResponderEliminarmais um belo conto, já estamos todos desejosos por ter um exemplar (com todos estes contos lindos compilados).
Obrigada um beijinho grande
Isabel
Ireninha,parece que naquele dia choveu e o perfume do trigo daquela terra se esgueirou para o teu nariz,e aí permaneceu, até que a tua escrita o espalhou.
ResponderEliminarO pão alimenta o homem, tal como os escritores e poetas do seu povo alimentam os moinhos da vida.
Gostei da ternura escondida do Zé.
Manuel Sengo
Ireninha: O seu texto é muito lindo. Bem escrito, o que é uma rara virtude hoje em dia.
ResponderEliminarMas o último parágrafo é de mão cheia!!!
Abração
Júlia
PS - Sou internada na 2ª feira e operada na 3ª. Entre hospital de Sto. António e convalescença em casa da minha irmã no Porto, devo ficar por lá 3 a 4 semanas.
(A minha avó dizia que "erva ruim não a cresta a geada " . Acho que tinha razão e ela, de certo, velará por mim).
Sra.Dra Sacramento,Menina de Coimbra,Isabelinha,Meu querido amigo Manel(Amigo da minha terra,amigo da minha infância)e...Querida Julinha(Vou fazer-lhe uma surpresa)para todos um beijo enorme de gratidão e amizade.Irene
ResponderEliminarOlá Coimbra!
ResponderEliminarEntão a menina agora vive na cidade dos Doutores!E fez muito bem...A menina de trato fino como tem (conheci o seu querido pai médico em Portimão)passou as "passas do Algarve mas, sabe,quando vou a Freixo sinto a falta do seu sorriso contagiante,o sabor dos seus bolinhos deliciosos sem falar das nossas conversas à lareira(no Natal)e mais não digo...
Seja Feliz porque merece.Um beijo da Ireninha
Meu querido amigo Manel!
ResponderEliminarOs teus comentários são poemas lindíssimos que leio com agrado e gratidão.Para quando um à nossa terra e aos teus amigos de infância onde espero estar incluída?Fico a aguardar...Eu sei que me vais fazer a vontade.
Muchas gracias y hasta siempre.Beijinhos.Irene
Sra. Dra. Sacramento!
ResponderEliminarAo ler o seu comentário senti-me sem dúvida,uma mulher afortunada.
Muito obrigada.
Com um beijo de amizade e gratidão.Irene
Olá Ireninha!
ResponderEliminarParabéns por mais um lindo texto !
Beijinhos
Tininha
BJNS PA O lUÍS!
oLÁ Julinha!
ResponderEliminarAs suas melhoras e bem rapidamente!
Ficamos à sua espera!
jnhs
TININHA
Olá Tininha!
ResponderEliminarPosso saber por onde a menina tem andado?Seja bem aparecida!Já lhe liguei milhares de vezes sabia?Beijinhos e ligue quando puder.Ireninha
Minha querida Julinha!
ResponderEliminarTrês Reis Magos em Agosto...Uma moleirinha em Janeiro...Até breve.
Com o doce sabor dos rebuçados da Régua.Irene
Olá querida Julinha!
ResponderEliminarTrês Reis Magos em Agosto...Uma moleirinha em Janeiro...Até breve.
Com o doce sabor dos rebuçados da Régua.
Beijinhos e coragem.Irene
Um belo texto,que se lê e relê com o maior prazer.Comove-me a ternura com que a autora retrata a sua amiga moleira, a lição de vida que dela recebeu em criança e que agora nos transmite de maneira sublime.Sinto no ar o perfume de que fala o seu amigo poeta,por tão viva e autêntica ser a sua escrita.Parabéns!
ResponderEliminarUma moncorvense
Frases bem construidas, fazendo lembrar os ditos e histórias de outros tempos.Esta História contada por ti, comove e encanta. Parabéns. Beijinho.Mariazinha
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