quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Pequenas Memórias “OS IVÕES ”(XIV), por Júlia Ribeiro

“Grande é a poesia, a bondade e as danças ... Mas o melhor do mundo são as crianças “

Fernando Pessoa


Quando estive como Directora da Escola do Magistério Primário de Leiria , recebi inúmeras queixas de várias professoras das Escolas Primárias Anexas, a propósito de faltas às aulas e de faltas de educação sempre do mesmo aluno.

Fui ver o que se passava. O aluno em causa tinha 13 anos, frequentava a escola há 7 e estava na 3ª classe, empurrado por todos os professores, desejosos de levar o aluno a completar a 4ª classe, pois ainda lhe faltava um ano para os 14 e nunca mais se viam livres dele. O garoto já tinha passado pela mão de todos eles. (Não era permitido aos alunos abandonarem o Ensino Primário antes dos 14 anos completos).
Miúdos das Escolas Anexas.
O garoto dos ivões - quase 14 anos -  é o matulão lá ao fundo.
Chamou-se o aluno - era já um matulão - e eu comecei a conversar com ele. Perguntei-lhe se sabia ler . Com uma postura de quem é dono do mundo, respondeu : “Claro que sei ler” . “ E escrever?” “Também sei. Quando tiver 18 anos tiro a carta e vou guiar camiões”. “Muito bem. E contas ? Os camionistas precisam de saber fazer contas muito bem” . “As contas... nas contas ... tenho algumas dificuldades” . “Sabes, na Escola do Magistério há uma professora de Matemática que ensina muito bem. Mesmo quem não sabe nada de contas, com ela bastam uns minutos e fica a saber. Vamos tratar desse assunto, OK?” Todo lampeiro, respondeu-me com outro “OK” .
As 4 ou 5 professoras presentes, e até as 2 funcionárias, estavam espantadas com uma tão longa conversa. Combinou-se a hora para o dia seguinte e o rapaz lá apareceu.
A professora perguntou-lhe : “Então, qual é a tua maior dificuldade nas contas ? “. “ A maior? A mais ... mais grande?” . “Sim, essa mesma” . “A mais grande... é nos ivões” . “Nos ivões?” “Sim, nos ivões” . “ Vais ver que isso é muito fácil. Vou escrever aqui no quadro uma continha, muito pequenina, e tu apontas os ivões, está bem?” “ O K “ . (Eu estava caladinha que nem um rato, à espera do que dali iria sair) .
A professora escreveu 3 9 6 X 5 , obviamente colocando o 5 por baixo do 6 e o sinal X por baixo do 9. O garoto começou a fazer a multiplicação e emperrou depois de dizer: “ 5 vezes 6 são 30 e vão 3 “ . Olhando para nós com ar desolado e simultaneamente furioso , quase gritou: “E agora não sei mais. Não sei o que se faz com os ivões.”
Daí a uns minutos estava a fazer contas certas.
Por vergonha, nunca tinha mencionado os “ivões” a nenhuma das professoras das Anexas.

Leiria, 5 de Setembro de 2011,
Júlia Ribeiro

9 comentários:

  1. Não percebi quando a minha neta leu a estória. Só depois é que ela me explicou que era: e vão 3 , e vão 4 . Os ivões eram isso, às vezes somos nós que não entendemos a canalhada em coisas bem simples.

    Maria Augusta

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  2. Está altamente. O puto entendeu ivões e os professores ou professoras não tiveram culpa nenhuma ?

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  3. Estórias de raparigos que nem ao diabo alembram.
    Gosto muito destas piquenas estórias.

    Maria da Querdoira

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  4. Com muita graça , mas faz pensar.

    H.L.

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  5. É lendário Ivão ,o Terrível. O que não serão os Ivões à solta. Pobres crianças...o papão da matemática ...os papões dos números são outros, têem colarinho branco e um sorriso no rosto.E venham mais cinquenta historinhas!!

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  6. DESCULPEM.NÃO RESISTO A COLOCAR ESTE TEXTO QUE RECEBI POR MAIL.
    Leitor.

    Certo dia, um professor chegou à sala de aula (isto numa escola oriental) e disse aos alunos para se prepararem para uma prova-relâmpago.
    Todos acertaram suas filas, aguardando assustados o teste que viria.

    O professor foi entregando, então, a folha da prova com a parte do texto virada para baixo, como era costume.
    Depois de todos receberem, pediu que virassem a folha.

    Para surpresa de todos, não havia uma só pergunta ou texto, apenas um ponto negro, no meio da folha.
    O professor, analisando a expressão de surpresa que todos faziam, disse o seguinte:

    - Agora, vocês vão escrever um texto sobre o que estão a ver.
    Todos os alunos, confusos, começaram a difícil e inexplicável tarefa.

    Terminado o tempo, o mestre recolheu as folhas, colocou-se em frente da turma e começou a ler as redações em voz alta.

    Todas, sem exceção, definiram o ponto negro, tentando dar explicações pela sua presença no centro da folha.
    Terminada a leitura, a sala em silêncio, o professor então começou a explicar:

    - Este teste não será para nota, apenas serve de lição para todos nós.
    Ninguém na sala falou sobre a folha em branco.

    Todos centralizaram suas atenções no ponto negro. Assim acontece nas nossas vidas. Temos uma folha em branco inteira para observar e aproveitar, mas sempre nos centralizamos nos pontos negros.
    A vida é um presente da natureza dado a cada um de nós, com extremo carinho e cuidado.

    Temos motivos para comemorar sempre.
    A natureza que se renova, os amigos que se fazem presentes, o emprego que nos dá o sustento, os
    milagres que diariamente presenciamos.

    No entanto, insistimos em olhar apenas para o ponto negro!

    O problema de saúde que nos preocupa, a falta de dinheiro, o relacionamento difícil com um familiar, a deceção com um amigo.

    Os pontos negros são mínimos em comparação com tudo aquilo que temos diariamente, mas são eles que povoam nossa mente.

    Pense nisso!

    Tire os olhos dos pontos negros de sua vida.
    Tranquilize-se e seja .... FELIZ

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  7. Gostei muito da estória dos ivões e também gostei da estória de um Leitor.
    Só que os pontos negros hoje cobrem toda ou quase toda a folha branca da minha vida. Eu e meu marido desempregados, 3 filhos pequenos para criar, já não temos carro e casa ... iremos ver. Nunca gastei um cêntimo mal gasto, mas alguém gastou milhares do que me pertencia e a nós todos

    Fátima

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  8. Com casos destes quem pode tranqilizar-se e ser feliz?

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  9. Olá, Amigos:

    A todos o meu obrigada pela vossa paciência com estas pequenas estórias.
    Um agradecimento especial ao Leitor pela sua excelente estória , ainda que tenha de concordar com o que diz Fátima e com o último Anónimo.

    Abraços
    Júlia

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