“Grande é a poesia, a bondade e as danças ... Mas o melhor do mundo são as crianças “
Fernando Pessoa
Já aqui contei uma redacção do meu filho sobre as bebidas alcoólicas. O garoto era um perigo quando, nas redacções, desatava a falar sobre a família.
Quando os meus filhos eram pequenitos, em férias fazíamos campismo. Para os miúdos era saudável e para a bolsa também, pois era a forma mais barata de passarmos todos juntos o mês de Agosto no Algarve. Há cerca de 40 anos ainda não existiam cartões de crédito, nem telemóveis, nem fax e, ou se levava dinheiro vivo para férias, o que não era aconselhável, ou se levava a Caderneta de Aforros dos CTT. Optávamos sempre pela Caderneta dos Correios, que permitia o levantamento diário de 500 escudos.
Quando chegou o dia 31 de Agosto, toca de levantar com o nascer do sol, arrumar tudo, colocar os garotos ainda de pijama a dormir no carro e, antes das 8 horas da manhã estávamos à porta dos Correios de Quarteira ( então uma aldeia de pescadores lindíssima, hoje um mostrengo de feiura ) , para sermos os primeiros a ser atendidos. Queríamos evitar o calor da travessia do Alentejo que, nesse tempo, não era tão fácil como hoje. Lá estávamos, pois, à porta dos Correios de Quarteira. Mas surgiu um problema : a Caderneta de Aforro tinha esgotado as páginas para se proceder ao levantamento de 500$00 e ninguém tinha notado . Resumindo: não se podia levantar dinheiro. A solução era telefonar para os Correios Centrais de Lisboa e pedir autorização ao Sr. Director dos Fundos de Aforro, que permitisse um levantamento naquela situação. Fizeram-se dezenas de telefonemas, mas o Sr. Director só chegou ao seu gabinete pelo meio dia e só atendeu o telefone pelo meio dia e meia hora. Já nem queria atender, pois era hora do almoço. Aliás, só atendeu, porque o meu marido, já alterado, lhe disse que era advogado e tinha a mulher e dois filhos pequenos no carro. Ele deve ter pressentido uma ameaça velada. Mas não sabia como reolver o problema. O meu marido indicou-lhe a solução, que era muito simples e que já havia dito centos de vezes à menina funcionária: que agrafasse na Caderneta uma folhinha timbrada dos Correios , declarasse que fora feito um levantamento de 500$00 naquele dia e assinasse, carimbando . Mas ela recusara terminantemente fazer tal coisa. Nunca vira fazer e não iria fazer, porque tinha medo de perder o lugar.
Agora escutem como o meu filho interpretou a situação e o que escreveu na redacção sobre as suas férias grandes. É muito mais pequena do que as explicações que atrás tive de dar, para que a redacção do miúdo se tornasse compreensível.
As minhas férias grandes foram muito boas: andei sempre na praia e no mar a brincar com a minha irmã e com outros amigos .... (........) . O pior foi no último dia, quando o meu pai viu que não tinha dinheiro nenhum. Foi aos Correios telefonar para os amigos, mas nenhum lhe emprestou dinheiro. Depois, nós já tínhamos fome e a minha mãe deu-nos um iogurte. Mas continuávamos com fome. O meu pai vinha falar com a minha mãe ao carro e disse que nem tinhamos dinheiro para a gasolina. Estava tão zangado que até chamou cabrão a um amigo. Então, muito triste, sentou-se num degrau da porta dos correios à espera que alguém lhe desse dinheiro. Mas ninguém lho dava. Era já quase uma hora da tarde quando um amigo teve pena de nós e lhe deu dinheiro para a gasolina e para almoçarmos. Chegámos a casa à hora do jantar.
Leiria, 14 de Setembro de 2011
Júlia Ribeiro
O nosso Amigo Lelo pediu fotos para esta estorinha e eu mandei-lhe 4 para ele escolher. Como estão aqui as 4 e sem possibilidade de legenda, vou legendá-las uma por uma:
ResponderEliminar1- eu, jovem mãe, com os dois pirralhos em férias no Algarve (Algarve ainda em construção);
2- os meus garotos, esculpindo na areia;
3- pai e filhos: almoço de sandes num relvado muito exclusivo, ao qual tivemos acesso com o cartão cedido por um amigo;
4- no Camping "Duas Sentinelas", em Quarteira, junto de um 2 cavalos, muito colorido (pena a foto ser a preto e branco), pertença de um casal inglês hippy, e a miúda, felicíssima, com grande sombrero mexicano, também pertença dos hippies, uns amigalhaços dos garotos.
Aquelas férias foram o máximo para os dois raparigos. O pior foi no dia do regresso...
Um abração
Júlia
Inocente ( e perigosa!) interpretação do sucedido.
ResponderEliminarObrigada pela boa disposição com que nos tem brindado através das suas estorinhas.
Uma moncorvense
Já não sei com qual da estorias me ri mais. Isto é um regalo .
ResponderEliminar..... e o mellhor do mundo são as crianças .
Alex Cristina
"e lhe deu dinheiro para a gasolina e para almoçarmos. Chegámos a casa à hora do jantar".
ResponderEliminarEle tinha era fome ,só fala em almoço e jantar. O dinheiro do amigo não deu para o lanche? quando estes dois mundos paralelos se cruzam e são bem interpretados e narrados são hilariantes. Quando crescer quero ser criança, diz um amigo meu que é anão. O ALMA DE FERRO encenou “Falar verdade a mentir”e a doutora Júlia Ribeiro fala a verdade a divertir. Boa. E o Camané ?
Leitor
Ainda há mais Pequenas Memórias?
ResponderEliminarSó quero dizer - que memória fabulosa !
Vítor S.
Otilia Borges disse: Estória maravlhosa...
ResponderEliminarQue boa memória e que estórias bem contadas.
ResponderEliminarObrigada, Julinha, por trazer um poquinho de boa desposição á gente.
Maria da Querdoira
Parabéns por esta estória.
ResponderEliminarUma pequena maravilha.
Hugo Lemos
Olá, Amigos Blogueiros e visitantes:
ResponderEliminarA todos, sejam benvindos e obrigada pelas vossas palavras amigas.
Respondendo a um Leitor: vai seguir logo mais uma estória do Camané.
Um grande abraço
Júlia
olá querida Júlia!Um dia ainda lhe vou contar uma estória passada no ALGARVE.Beijinhos e mto obrigada pelas suas palavras.IRENE
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