domingo, 11 de setembro de 2011

Pequenas Memórias “A ÁRVORE DAS PATACAS ”(X), por Júlia Barros Ribeiro

“Grande é a poesia, a bondade e as danças ... Mas o melhor do mundo são as crianças “



Fernando Pessoa

Quando eu era mesmo muito miúda- talvez uns quatro anos - tinha uma mania que só larguei após uma valente sova da minha amãe. Talvez fosse mais um sonho do que mania, mas ninguém entendeu tal sonho. Ouvia com frequência a minha avó dizer que era preciso isto ou aquilo e a minha mãe responder que não tinha a árvore das patacas. Claro que a primeira coisa que procurei saber foi que fruta seria aquela das patacas, que nós não tínhamos e tanta falta fazia. Perguntei ao meu pai, que sabia muita coisa porque, sendo caixeiro-viajante (assim eu o imaginava), viajava muito. Não tinha muito tempo para mim, pois chegava a casa era já noite fechada e saía de madrugada. Uma noite esperei por ele e perguntei-lhe sobre a tal fruta chamada patacas. Disse-me que não era fruta, fora dinheiro em Portugal e no Brasil.
No ouvido ficaram gravadas as palavras dinheiro e Brasil . Entendi tudo: o Brasil era rico, porque lá havia umas árvores que davam patacas. Ora, eu iria em segredo semear umas moedinhas, regaria muito bem todos os dias e, tal como os feijões e as favas, cresceriam as pequenas árvores e eu cuidaria delas até darem moedinhas muito brilhantes, porque eram todas novinhas.
Tirei duas moedas de um tostão da bolsinha de riscado da minha mãe e fui semeá-las na minha hortinha de palmo. Regava todos os dias, mas não havia maneira de uma pontinha verde brotar do chão. A minha ansiedade era enorme. Um dia vejo o porquito fuçar a terra regada de fresco e fiquei aflita por me estragar a sementeira. Enxotei o porco e procurei as duas moedinhas. Não as encontrei. Pensei que, por serem velhas e já muito escuras de tanto uso, não serviam para semente. Até porque eu ouvia muitas vezes as mulheres comentarem que a batata de semente era cara, que tinham de escolher o melhor feijão para a sementeira, etc.
Fui então à taleiguinha do dinheiro de minha mãe e vi, entre as moedinhas escuras, uma moeda pequenina, brilhante como prata que, soube depois, era de “cinc’roas”. Portanto, valia dois escudos e cinquenta centavos.
Fui enterrar aquela moeda tão linda, essa sim, dela iria crescer uma bela árvore, com folhas verdinhas e, entre elas, muitas, muitas moedinhas de prata. Iria ser uma boa surpresa para a minha mãe e para a minha avó. Ao virar-me para ir buscar água à bica, deparei com três ou quatro raparigos atrá de mim a ver o que eu fazia. Expliquei-lhes que, quando a árvore crescesse e as moedinhas também, eu lhes daria algumas. Fui encher o pucarinho de água, reguei e voltei para casa.
A minha mãe barafustava “ tinha a certeza que tinha cinc’croas na bolsa, alguém tinha tirado os 25 tostões que tanto lhe custaram a ganhar...” ; a minha avó com a cara muito consumida, “que não, que ninguém entrara em nossa casa...” e eu, à porta, de olhos arregalados, a começar a entender o que eu tinha feito.
“Mãe, venha cá ver. Enterrei a moedinha e reguei-a para ela crescer e ficar uma árvore a dar mais ... “ . Nem acabei a frase. A minha mãe arrastou-me por um braço e só disse: ” Onde? ” . Levei-a à minha hortinha e mostrei-lhe o lugar, ainda bem molhado da rega. Num frenesim, escavou com as duas mãos, mas a moeda evaporara.
Apanhei uma tareia como nunca havia apanhado nem voltei a apanhar. E, apesar de pequenina, compreendi perfeitamente o desespero da minha mãe: 2$50 eram, em 1944, mais de meio dia de trabalho. A jeira de uma mulher do campo era então 4$50. Fiquei a saber que com “patacas” não se brinca.

Leiria, 5 de Setº de 2011

Júlia Ribeiro

11 comentários:

  1. Mais uma deliciosa estorinha passada com a autora na sua inocente meninice .Fez-me lembrar uma outra que aconteceu com alguém que conheço e que passo a contar:

    No tempo em que a árvore das patacas dava mais” frutos”,um amigo meu, dono de um “monte” no Alentejo ,dava-se ao luxo de ter na sua propriedade um caseiro que lhe tratava primorosamente da horta .Dotado para a agricultura, mas já à beira da reforma, todos os dias deixava à porta do meu amigo a fruta acabada de colher, a couve tenrinha ,o tomate gostoso, enfim, tudo o que a terra oferecia graças ao talento e esforço do velho caseiro.Viviam com ele a mulher ,alguns filhos e um neto de 5 anos, que o meu amigo e a esposa acolheram em sua casa e pretenderam educar. Como muitas vezes acontecia, um dia levaram-no a passear até Badajoz.O meu amigo deu conta que não tinha dinheiro na carteira e dirigiu-se a uma caixa multibanco, levando o miúdo consigo. Resolveu brincar, como era seu hábito.”Sabes, Tói, esta máquina vai dar-me o dinheiro de que preciso. Basta meter este cartão no buraco ,e temos o dinheiro que queremos. Hoje ficamos ricos e até vamos comer os gelados de que mais gostas”.”Hum …”,murmurou o Tói ,duvidando. O meu amigo fez toda a operação necessária para obter o dinheiro ,enquanto o miúdo seguia todos os seus movimentos com grande curiosidade. No fim ,vendo o meu amigo com o dinheiro na mão ,exclamou entusiasmado.”Se o meu avô sabe disto, nunca mais rega as couves!”

    Uma moncorvense

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  2. Mais uma história de inocencia e aprendizagem à moda antiga. Como sempre, gostei. Depois uma Moncorvense também nos traz uma pequena memória oom muita graça. Isto de memórias é como as cerejas: vem umas agarradas às outras.

    M.A.

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  3. Hoje o sonho, de crianças e adultos, não é a ávore das patacas, mas o euro-milhões. Vai tudo dar ao mesmo.

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  4. Com patacas não se brinca. Uma criança tira cincroas e leva uma surra. Esses ladrões todos roubam milhões e andam por ai fora numa boa sem lhe acomtecer nadinha. Parece que andam a gozar co pagode . Eu, como não sou ladrão, é Zé aperta o cinto.

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  5. "Não vales um pataco" as patacas é que estavam a dar?
    e o soto da pataqueira?donde vinha a alcunha?
    Era na rua seixas ,antes da papelaria/livraria do senhor Cardanha,depois da pastelaria "bom gosto".Agora estão lá umas senhoras esperando que entre alguém e lhes pergunte como vai o ambiente.Sempre sai em livro pró NATAL?O conto é de 5 estrelas.
    R

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  6. O melhor do mundo são as crianças e tantas vezes os sdultos não as entendem.

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  7. Venho do Face espreitar o blogue. Isto é muito bom. As Efeméridas são uma parte excelente. As pequenas memórias de Júlia Ribeiro são de ler e pedir mais.
    Lelodemoncorvo, muita vida e saúde para continuar com estes brilhantes Farrapos.

    Pedro Bento

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  8. Resposta aum blogueiro Anónimo R : conto que o livrinho possa sair pró Natal.
    Obrigada a todos oa que deixam os seus comentários; obrigada pelas vossas palavras amigas e obrigada aos que passam, mesmo sem deixar comentário.
    O meu bem-haja muito especial ao Lelo por tanto trabalho que isto lhe dá. Mas são uns Farrapos de se lhes tirar o chapéu, não concordam?

    Abraços
    Júlia

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  9. Saíu -me o euromilhões

    Vou contar um episódio que me aconteceu, já lá vão uns 2 ou 3 anos. Entrei num café deTorre de
    Moncorvo e comecei a pagar bebidas ao pessoal que estava no local. No acto de fazer o pagamento, dei o troco à funcionária.Ela, admirada, perguntou-me se fazia anos, ao que eu respondi que era muito melhor,
    pois acabava de saber que tinha ganho o euromilhões e estava muito rico. Portanto, nada de anormal nessa minha atitude.
    Quando entro num outro café (passados 30 minutos), o gerente, que nunca tinha falado comigo, ofereceu-me bebidas a mim e a um
    outro amigo que me acompanhava.Comecei então a receber telefonemas de várias pessoas,
    felicitando-me e dizendo-me que precisavam de falar comigo urgentemente.Colegas
    meus de outras zonas do país (Mirandela, Bragança e Vila Real) davam-me
    os parabéns e aconselhavam-me sobre o que poderia fazer com o dinheiro. Percebi então o que se estava a passar, e isto tudo no
    espaço de pouco mais de meia hora desde o início da minha "loucura". Meus bons e queridos amigos:tinha eu gasto €15 e durante esse dia ofereceram-me muito mais do que
    isso. Essa "loucura" durou mais uns 2 dias. Até uma prima que tenho em S.Paulo me telefonou (não sei como soube), a dar-me os parabéns.
    Quando eu lhe dizia que tinha ganho muitos euros, ela só comentava : "minha nossa" .Durante os dois dias em que durou
    a festa (e o dinheiro) tive muitos” amigos”. Mas valeu a pena,porque me diverti.
    Camané

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  10. Alguns "amigos" são para estas ocasiões.
    As"loucuras"do talentoso actor e "filósofo" Camané divertem-no e divertem-nos.Obrigada pelos momentos de riso.Conte mais.

    Uma moncorvense

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  11. Olá. Camané :

    Já cá fazia falta. Isto de estórias é mesmo assim: umas puxam pelas outras. Dei uma boa gargalhada com o que aqui nos conta.
    E o que é mais divertido, é o gozo que o Camané tira das situações . Ainda bem, neste tempo de tristura .

    Um grande abraço

    Júlia

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