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sexta-feira, 12 de agosto de 2016

AQUI VAI UM RETRATO DE UM HOMEM BOM: O MÉDICO ANTÓNIO PASSOS COELHO - PAI DO PRIMEIRO-MINISTRO

Doutor António Passos Coelho com o editor do blogue.
Fotografia:ABL.
Vivia numa aldeia próxima de Vila Real. Não havia transportes públicos. Era um jovem muito franzino e doente. Descreveu essa experiência no livro «A Gente da Minha Terra». 
Só fui estudar ao 17 anos devido à doença. Alugou um quartinho em Vila Real, não ia às festas nem aos bailes justamente por ser doente. Fica em casa a estudar .Em dois anos fez o 2º, o 5º e o 7º anos. Aos 19 tem o ensino secundário terminado. A doença (tuberculose) obriga-o a internamento no Caramulo. Continua pobre. Quando recupera da doença vem para Lisboa para casa de um tio que lhe deu alojamento e alimentação. Vai estudar Medicina.
Antes de terminar o curso a doença volta e os médicos enviam-no novamente para o Caramulo. Dão-no como incurável. Por sorte surge, então, um medicamento novo e cura-se. 
Regressa a Lisboa para acabar o curso e especializa-se no tratamento da tuberculose. Volta ao Caramulo como médico e chega director.
Aí monta os laboratórios de grande investigação e passa a ser um Hospital de referência a nível nacional. A reputação dele é tão grande que o Ministro o convida para ir para Angola (Silva Porto) afim de aí criar um sanatório. 
Quando tem a primeira licença graciosa, volta à Metrópole e vai dar consultas gratuitas ao Caramulo. É lá que ele passa as férias a cuidar dos doentes. 
Em 1975 não aguenta a turbulência em Angola e regressa a Vila Real onde é director do Hospital até ao momento em que se aposenta. 
Estas informações foram recolhidas da boca do próprio Dr. António Passos Coelho pelo meu amigo cineasta Leonel Brito, o qual acaba de me ditar este texto, que eu me limitei a escrever.


Teresa Martins Marques.
In: https://www.facebook.com/teresa.martinsmarques?fref=ts

sexta-feira, 17 de julho de 2015

"Quero dizer-te, amor" de José Braga-Amaral,por Hercília Agarez


O amor não se conjuga no passado, ou se ama sempre ou nunca se amou.
                                                                                                                  Fernando Pessoa
    Um livro de poemas (não confundir com versos) só deveria ser apresentado por quem lhes deu vida, por quem os sente como pertença sua, por quem os deixou voar, partindo do aconchego da alma para o infinito, para o incógnito, para a admiração ou para a rejeição.
    Quem somos nós, leitores de poesia, para interpretar os sentidos implícitos, os meandros e as entrelinhas de um texto poético pelo que ele encerra de enigmático, de plurissignificativo, de ambíguo? Mais insinuações do que afirmações, verdades vividas, expressão de sonhos e de ideais, palavras translúcidas porque, muitas vezes, veladas por um "manto diáfano" de fantasia e onirismo.
    Percorrendo  aquilo a que podemos chamar a poesia da modernidade actual (passe a redundância), deparamo-nos, não poucas vezes, com um hermetismo à la page, garante de recensões em páginas da imprensa cultural. A orgânica intrincada e enrodilhada de certos textos ininteligíveis em vez de dar prazer estético a quem os lê, cria-lhe complexos de  estupidez...Ora, os poetas têm uma missão a cumprir, eles, os privilegiados de entre o comum dos mortais. Francisco José Viegas chama a atenção para isso: "A poesia não tem a ver com a literatura. Releva do domínio do sagrado indizível". E Miguel Torga proclama: "Os poetas são como os faróis: dão chicotadas de luz na escuridão".
     Credenciada com uma experiência longa na leccionação da disciplina de Literatura e como leitora apaixonada de muitos dos nossos poetas de todos os tempos, sinto-me à vontade para afirmar que José Braga-Amaral, sendo moderno, é legível, embora não seja linear nem transparente a sua expressão poética. Aliás, na minha opinião, a poesia é para ser lida e relida, saboreada como o mais requintado manjar, sem obediência a imposições de Cronos. Exige momentos solitários, propícios à concentração e à meditação. É uma mística, uma transcendência, uma espiritualidade.

segunda-feira, 25 de maio de 2015

As Asas da Libelinha, por Hercília Agarez






Prefácio
As Asas da Libelinha: breves pinceladas de luz sobre o quotidiano

Não chegue o dia/ em que eu pense/ não ter nada para aprender, diz-nos Hercília Agarez num dos pequenos poemas que compõem este livro. Como o leitor rapidamente perceberá, embora breves, estas estrofes alojam dentro de si uma larga sabedoria. Por vezes, fazem-nos sorrir, outras vezes reflectir, apresentando-se sempre como guias de um olhar minucioso e atento do mundo que nos rodeia.
Hercília Agarez, com obra publicada no domínio da ficção e do ensaio, escolheu, desta vez, oferecer aos seus leitores uma experiência no campo da poesia. Num registo que vai do poético ao humorístico, neste livro desfilam poemas curtos que, a partir de uma observação directa, e segundo contextos e vivências diversas, abordam essencialmente aspectos do quotidiano. 
A brevidade e a forma dos poemas aproxima-os do haiku, uma estrutura poética que tem a sua origem no Japão, país onde conta com muitos admiradores e praticantes. Os haiku são compostos por 17 sílabas métricas, dispostas em três versos de cinco-sete-cinco sílabas, e têm como tema aspectos da vida quotidiana do Japão, emoldurados pelas estações do ano. O âmago destes poemas é de o fazer crescer uma imagem e ecoar um pensamento num número mínimo de palavras. O efeito das palavras sobre o leitor deve ter a força do trovão e iluminar como a luz do raio. Brevidade e intensidade são, pois, palavras próximas deste tipo de poesia.
Em Portugal, esta forma de labor poético conhece já alguns admiradores e tem já disponivéis algumas obras publicadas. Foram, aliás, alguns desses autores que ajudaram a perceber a complexa mecânica poética do haiku. Ajudaram, também, a perceber que, de qualquer modo, mesmo se não completamente fiéis à métrica original, o que se vai publicando no nosso país tem como objectivo aproximar-se do espírito do haiku. O mais relevante, referem, é ser uma poesia fiel aos cinco sentidos e à observação das coisas que povoam o mundo, sendo que o resultado se deve traduzir numa forma breve e intensa de revelação desse mesmo mundo.
Em As Asas da Libelinha, Hercília Agarez encontra no dia a dia múltiplos motivos para reflexão. Desde apontamentos sobre o mundo natural, os animais e o ser humano, a autora olha o que a rodeia, procurando, muitas vezes, dar leveza àquilo que quase sempre é incómodo — Gentes e cães/ revolvem lixo:/ irmãos de fome. Lado a lado, o leitor encontra poemas de crítica social — Inúteis, os reformados:/ lâmpadas fundidas/ nunca mais dão luz —, de cariz mais pessoal e emotivo — Partiste./ No quintal ficaram/ sonhos soterrados — e com um carácter mais reflexivo — Sorrisos abertos,/ corações fechados:/ hipocrisia. Lado a lado, encontram-se o literal e o alusivo, dialética que emblematiza a essência do discurso poético: das coisas parte-se para o metafórico, para o alargamento do sentido: Urtigas mordentes/ invadem culturas:/ estéril inveja.
Este último poema exemplifica, aliás, uma das características do haiku presente em muitos dos pequenos poemas deste livro: a oposição entre ideias, imagens, sentimentos ou emoções. Essa dialéctica visa provocar o estranhamento e, consequentemente, a surpresa: Trepo à árvore/ e apanho cerejas:/ outra vez menina. Ou seja, esta poesia atesta não só o primor com que o autor escolhe as palavras, como convida o leitor a completar o que por vezes é apenas sugerido. Acima de tudo, Hercília Agarez convida-nos a olhar de novo aquilo que nos é familiar e conhecido. Neste sentido, e próximos de uma visão fenomenológica, aquela que descreve os fenómenos conforme são dados à experiência imediata, estes poemas são o resultado de uma nova abordagem e uma nova visão a vivências que todos conhecemos e já experimentámos. 
Tal como as palavras de Vasco Graça Moura — Sou um mau aluno. / faço um exercício em casa,/ sem contar muito as sílabas —, a autora de As Asas da Libelinha, não contando muito as sílabas, e ancorada em autores portugueses que lhe são queridos, oferece ao leitor um exercício de aproximação à essência do haiku. Ou seja, nestes breves apontamentos poéticos encontramos um entendimento da vida humana como algo essencialmente frágil e lembrando que a solidão, o mistério e a inquietação habitam os dias e as noites de muitos de nós. Na minha opinião, o que de mais forte Hercília Agarez oferece no livro é dar ao leitor a possibilidade da redenção, ou seja, face à solidão, à hipocrisia, ao abandono, a possibilidade de se encontrar — na inocência da infância, no voo da borboleta branca, nas asas da libelinha — o mesmo destino das aves: o infinito. O mesmo é dizer, a autora convida o leitor a habitar um tempo que é o da poesia e que por isso não se deixa escravizar por Cronos, permitindo, antes, ver e ler a vida sob um (breve) rasgo de luz e claridade: Canta a cigarra/ um hino ao presente —/ lição de vida.

Isabel Alves

segunda-feira, 18 de maio de 2015

AMADEU FERREIRA, UM CIBO DE TRÁS-OS-MONTES, por M. Hercília Agarez,

Nunca percebi porque o branco não é a cor da morte, como a cinza ou o silêncio. Branca como uma folha por escrever. Branca como a geada e o gelo.

Fracisco Niebro, in Belheç Velhice

       


Nasceu numa aldeia de nome eufónico, feito de sonoridades doces, melodiosas. Sendim. Um recanto de um Trás-os-Montes profundo onde nascem, vivem e morrem gentes conformadas com o isolamento e a dureza de vida, a subsistência conseguida com os magros favores de uma terra sempre a exigir muito suor, muitas costas vergadas, muito manejo de alfaias adjuvantes.
    Amadeu Ferreira tinha de ser poeta. Assim determinava o seu código genético. Que, em contrapartida, lhe reservava um percurso de vida com laivos de alpinismo. Não empurrou sem cessar uma pedra até ao cimo de uma montanha, como Sísifo, porque não desafiou nenhum deus. Ele seguiu o conselho de Miguel Torga.


            Recomeça...
Se puderes,
sem angústia
E sem pressa.

E os passos que deres,
Nesse caminho duro
Do futuro,
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.
  [...]
  "Sísifo" in ANTOLOGIA POÉTICA

sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

DOIS HOMENS NUM SÓ ROSTO, por Hercília Agarez

    Coimbra, 20 de Maio [1947] – Quando conseguirei eu tirar de uma vez a minha máscara? Ser eu, plenamente? Eu, um homem bom, simples e sociável. O que isto tem custado! De defesa em defesa, de traumatismo em traumatismo, fiquei como a orelha de um atleta de circo, que observei um dia, encarquilhada e disforme.
    […] Tanta pancada levei, tanto pé me pisou a pele, que me fiz tojo arnal. E ninguém que me conhece suspeita sequer do outro que está por trás de mim, alegre como um passarinho, brando como uma folha, delicado como um rebento.
    […] Poucos devem ter tido no mundo a minha sorte: ser um homem inteiramente livre. […] Permaneci na minha pureza natural, cidadão livre do mundo e português. Mas não há dúvida que, para a maioria, me cerquei de arame farpado. É inegável que fechei muitas portas a quem talvez as devesse abrir, mesmo se quando tentei fazê-lo me entrou por elas um vendaval.
                                                                                              Diário IV

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

NORTEANDO DE AMADEU FERREIRA E LUÍS BORGES, por Hercília Agarez


NORTEANDO
DE AMADEU FERREIRA E LUÍS BORGES
    O título não diz tudo, mas sugere uma jornada lenta, sem percurso previamente definido, alheia à ditadura dos ponteiros do relógio, com tempo para pausas impostas pelos flagrantes do fotógrafo. Sim, não são meros disparos da objectiva atirados ao acaso, são instantâneos irrepetíveis e irreversíveis. É uma incursão por um território de que somos ciosos, é uma caminhada a reclamar calçado e roupa confortáveis, que nos permitem galgar montes, enlamear os pés, sentarmo-nos numa pedra tosca a ver desfilar rebanhos e manadas. É todo um apelo da natureza para que dela saibamos saborear todos os encantos, percorrer todos os recantos, sem espantar (no duplo sentido do termo) aves de voo desprevenido, borboletas quais cisnes no último canto, sem fugir de um olhar ameaçador de lobo ou raposa.
    Acompanhar Luís Borges nas suas errâncias é, também, encher a vista de uma policromia de que só a natureza é capaz, maravilhar-se com as flores, sua grande dádiva. Mas não é a cor o que de mais atraente e expressivo têm as imagens. Somos, talvez pelo contrário, presos à magia do preto e branco com que o fotógrafo que nasceu poeta da vista, foi sábia e sensivelmente captar a riqueza humana de uma região economicamente atrasada, mas que teima em preservar os socos, os chapéus toscos, o pau que lhes arrima os cansaços da velhice, os aventais, o negro eterno das viuvezes femininas, o seu lenço posto como só elas sabem.
    Olhamos para os ouriços ou para os medronhos como o cão de Pavlov, sentimos o algodão em rama da neve a beijar-nos os pés, orgulhamo-nos que não tenham destruído as antas longinquamente ancestrais, compadecemo-nos com o destino do porco de patas a pedir clemência póstuma, mas invejamos a ciência do tempero das alheiras a que o lume servirá de complemento directo. Cada imagem é uma lição de vida, um hino à Terra Mater, uma dúvida, a de nos questionarmos se merecemos tanto.
    Dizer mais sobre os poemas iconográficos de L. Borges é um atrevimento de que me penitencio, face à mestria com que de cada um fala o nosso Amadeu. Repito o possessivo. Nosso. Pela sua sabedoria recatada, pela sua postura “de camponês que anda preso em liberdade pela cidade”, como disse Alberto Caeiro de Cesário Verde), pelo seu sorriso que é um paradigma da franqueza transmontana, pela capacidade natural e espontânea de, cada dia que passa, acrescentar um novo amigo à sua longa lista. Pela sua força anímica, pelo exemplo de tenacidade e pelo ar meio envergonhado com que recebe as homenagens que lhe são devidas. 
    Os poemas de um, resultantes de uma objectiva que tem o condão de estar nos sítios certos nos momentos certos, são enriquecidos com os outros. Sim, Amadeu é tão poeta na prosa como nos versos. A sua escrita dá-nos a sensação de jorrar com tanta rapidez e limpidez como quando se abre uma torneira. Parece haver nela muito pouca oficina. Nasceu para a poesia. Tal deve constar do seu mapa astrológico. Nós, os privilegiados que o conhecem, sabemos merecê-la, acarinhá-la, divulgá-la. É nossa, também. Mas, fazendo jus à atávica solidariedade deste povo, queremos partilhá-la com quem saiba distinguir joías verdadeiras de pechisbeque.
    Ao olhar as fotografias candidatas a um “casamento” por amor com os seus textos, Amadeu Ferreira ou Francisco Niebro viu nelas pormenores que o observador comum não captou. De imagens estáticas ele faz reflexões dinâmicas. Onde nós vemos cabras empoleiradas em rochedos estéreis, ele interpreta aquelas escaladas: “não precisam apenas de erva para comer as cabras, sobretudo de horizonte se alimentam”.
    Cada imagem é um desafio, um convite a tratá-la de acordo com um certo registo: conta pequenas histórias, invoca a infância, opta pela fábula ou pela curta narrativa infantil, dá aos seus pensamentos a estrutura tradicional de poemas, rememora tempos idos de mais arreigada autenticidade, de penosos trabalhos na terra, lamenta o abandono dos campos. Mas regozija-se com a manutenção de práticas agrícolas de um tempo ontem, como a apanha da azeitona, as malhadas com manguais, a lavra com o arado.
    Invoca escritores clássicos, recorre à mitologia, à etnografia, não para alardear uma erudição vaidosa, antes como forma de construir uma certa pedagogia subjacente a alguns dos textos que, de braço dado com as fotografias, além de proporcionarem um duplo prazer estético, cumprem uma missão urgente e civilizacional – a de transmitir às gerações a quem os dentes nasceram com o computador, como viveram os seus antepassados e o quanto labutaram para que os não arrancassem de uma terra onde tudo lhes foi regateado e onde aguardam pacientemente, de mãos encarquilhadas e encardidas, sem dentes com que rilhem uma maçã, uma outra terra que lhes dispensa a enxada.


M. Hercília Agarez, Julho de 2014

quinta-feira, 11 de setembro de 2014

APRESENTAÇÃO DE RELEVOS DE VIRGÍNIA DO CARMO, por Hercília Agarez

APRESENTAÇÃO DE RELEVOS DE VIRGÍNIA DO CARMO

Os poetas podem contemplar as estrelas, enquanto os bichos sociais se devoram na sombra (?)

    Há coisas que se não medem com fita métrica, não se pesam com balança, não se lhes avalia a temperatura com termómetro. Há coisas cujo valor é imaterial, coisas que nenhum dinheiro pode comprar. O talento é uma delas. O talento, esse privilégio, esse dom atribuído por um qualquer deus e que guinda quem o possui a alturas onde aves não chegam, lá para os lados das estrelas.
    Nenhuma arte nasce sem essa centelha de génio que ilumina o artista. Hoje falamos de literatura, mais precisamente de poesia, para festejarmos uma obra que, a haver justiça, mostrará à intelligentsia deste pais que, se Portugal é um país de poetas, Trás-os-Montes ajuda a confirmar a asserção.
    No interior deste espaço telúrico mais lembrado por uns resquícios de tradições, pela gastronomia e por alguma paisagem vendida ao turista a troco de um cálice de mau vinho fino, vive gente, mais e menos jovem, que, ao dedicar-se à escrita, o faz por paixão, cônscia de que dificilmente alguém lhe faça uma recensão, lhe dedique umas linhas na imprensa cultural, lhe ponha os livros ao alto em estantes de livrarias onde se acotovelam biografias de futebolistas, manuais de receitas de senhoras da televisão, Dan Browns da moda.
   Neste interior de rigores climáticos, de distanciamento das capitais, Virgínia do Carmo não cruza os braços, melhor, não põe um dique a estancar a inspiração. Vocacionada para a valorização da riqueza cultural, acaricia os livros com mãos de veludo, abre-lhes o seu peito, qual tabernáculo, onde, como veremos, arrecada ciosamente patrimónios afectivos e vivências, estrelas e mar, rios e flores, pássaros e pedras. Mulher destemida, empreendedora, persistente, livreira e editora, prosadora e poeta, de voz acetinada e olhar luminoso, anfitriã que gosta de mimar quem a visita nem que seja só com o seu sorriso, reservou-nos uma surpresa  para a rentrée. Não é uma estreia no género, é uma pérola ainda mais preciosa que as anteriores. Se Sou e Sinto (não conheço Tempos Cruzados) é uma espécie de aperitivo gourmet, RELEVOS é um prato substancial, uma harmoniosa e saborosa mistura de sabores, aromas e texturas, uma delícia para o paladar do espírito. Mas já lá vamos.

domingo, 13 de julho de 2014

Setenta anos de NOVOS CONTOS DA MONTANHA de Miguel Torga, por M. Hercília Agarez

Setenta anos de NOVOS CONTOS DA MONTANHA de Miguel Torga

Nirvana

Paz da montanha, meu alívio certo.
O girassol do mundo, aberto,
E o coração a vê-lo sossegado.
Fresco e purificado,
O ar que se respira.
Os acordes da lira
Audíveis no silêncio do cenário.
A bem-aventurança sem mentira:
Asas nos pés e o céu desnecessário.

                                                                                                    Miguel Torga, in Diário VII


    Montanha. Palavra mágica para o poeta que nasceu no meio das fragas transmontanas onde crescem a urze, a giesta e o rosmaninho. E também os tojos que lhe inspiram um traço de autocaracterização – “tojo arnal”. Torga é como as rochas que o embalaram – duro, resistente à erosão, poiso para descanso, solitário. “Eu sou um homem de granito”, afirma.
    Dividido entre o mar e a terra – “eu sou um animal anfíbio” – é ela a sua matriz, a sua pátria, a sua raiz, o seu paraíso, o seu “chão sagrado”.  E de toda esta “nesga de terra debruada de mar” sobressai, em toda a sua evidência, a paixão por Trás-os-Montes. Ele o diz numa entrada do Diário VII escrita no Gerês: “[…] O pouco que sou devo-o às fragas. Foi a pisá-las que aprendi a conhecer a dureza do mundo e a admirar o ímpeto que se não resigna à lisa sonolência duma paz interior espalmada. A inquietação da terra vê-se nos montes. […]”
   Veio à luz em S. Martinho de Anta, “debaixo de telha”, já que a mãe andava, naquele dia 12 de Agosto de 1907, a juntar o milho na eira contígua ao casebre paterno, com uma vassoura de codessos, quando lhe rebentaram as águas. Na aldeia foi o aluno mais distinto do professor Botelho, mas também um garoto travesso como os ganapos com quem brincava.
    Inteligente, precoce observador da realidade social que rodeava a sua infância, familiarizado com o quotidiano rural , pequeno aprendiz de tarefas agrícolas, estranhamente consciente da sua dureza  e da exploração do trabalhador, a sua memória guardará até ao fim esse passado. Com as raízes tão fundamente enterradas no solo nativo como a torga que lhe deu o apelido de artista, não admira que a obsessão da montanha física e humana lhe tenha inspirado muitos  poemas, uma peça de teatro (Terra Firme), comunicações, incontáveis entradas nos dezasseis volumes do Diário, colectâneas de contos.
    Em 1941 publicou o livro Montanha, logo apreendido pela censura. Embora impermeável a quaisquer influências de correntes literárias, os contos não andavam longe dos pressupostos da corrente neo-realista cujo marco foi Gaibéus, de Alves Redol, datado de 1940. Em 1955 sairá uma segunda edição no Rio de Janeiro com o título Contos da Montanha que viajou clandestinamente até ao nosso país. A terceira edição, de 1962, é ainda da responsabilidade de um país que consumiu a adolescência do então Adolfo Rocha.
    Mas não é este conjunto de histórias de vida protagonizadas pela gente iletrada e humilde da sua região que justifica esta breve abordagem. O que pretendemos, neste ano de 2014, é assinalar o septuagésimo aniversário da primeira edição de Novos Contos da Montanha de que constam dezassete narrativas às quais vieram a juntar-se seis nas edições posteriores, revistas, refundidas, aumentadas, com prefácios (três delas). Curioso é que o autor tenha excluído de todas elas o conto “Firmeza”, talvez o mais cruamente acusatório da tirania dos “senhores” com aqueles desgraçados sem poder reivindicativo e com receio de perderem o magro ganha-pão.
    Novos Contos vêm dar sequência ficcionada aos Contos. O mesmo cenário, a mesma atracção pelas alturas rochosas, personagens de nomes e vidas diferentes, mas protagonizando dramas próprios da sua qualidade de gente rude, humilde, frontal, autêntica. Contos, quase todos eles, de desenlace intuído pelo leitor que conhece a massa de que são feitos homens e mulheres a quem o destino ditou a desgraça na vida e na morte.
    Deste livro foram feitas quinze edições em português. Foi traduzido para polaco e para castelhano, tendo sido ultrapassado por Bichos que chegou à 19ª edição (1995) e teve traduções em sete línguas.
    Socorramo-nos de excerto da prefácio à terceira edição (1952) para compreender o espírito que presidiu à escrita destes contos:

                                                                                     Leitor amigo:

sexta-feira, 20 de junho de 2014

CONTOS NO TERREIRO AO LUAR DE AGOSTO, de Júlia Ribeiro. Apresentação de Hercília Agarez

 A memória é a sentinela do espírito      Shakespeare


Hercília Agarez e Júlia Ribeiro no "artes e livros"
    Para quem a não conhece, diremos que nasceu em Torre de Moncorvo, se licenciou em Filologia Germânica em Coimbra, é mestre em Ciências da Educação  e exerceu importantes cargos no âmbito do ensino, tendo sido leitora na Universidade de Leipzig.
    Para o que aqui nos interessa, diga-se que foi autora de vários livros cujas datas de publicação desconhecemos. É para falar da última obra que estamos aqui, embora pouco tenhamos a acrescentar ao que constitui a sua matéria introdutória. Na verdade, após um prefácio escrito por mão segura e conhecedora dos meandros da cultura popular transmontana em que são realçados os aspectos mais relevantes do livro aos níveis do conteúdo e da forma, temos dois testemunhos sobre o mesmo e a introdução da responsabilidade da própria autora. Não temos, portanto, muito a acrescentar, com a desvantagem (ou vantagem?) de desconhecermos Júlia Ribeiro.
    Lemos o seu livro na totalidade, embora não profundamente por falta de disponibilidade. Assim, passaremos à sua apreciação, resultante da nossa sensibilidade enquanto leitores.

   Parece ser timbre dos transmontanos o seu apego às raízes. Nascidos em terras desfavorecidas e vítimas de uma interioridade madrasta, tiveram, aqueles a quem estavam reservados mais altos voos, de se deslocar para meios académicos. Outros, para quem o amor soou mais alto, seguiram o seu destino familiar a arrastá-los para longes terras. Seja como for, raramente renegaram o berço, tantas vezes humilde, onde abriram os olhos para um mundo de pureza e de silêncio. E ei-los, sempre que possível, em busca de sítios e gentes da sua infância, a segregarem baba, como o cão de Pavlov, à simples ideia de irem saborear aquele fumeiro inconfundível, a tenrura de uma boa posta, o sabor das couves num caldo bem regado com azeite da região e migado com a broa que conseguiu escapar à modernidade.

terça-feira, 24 de setembro de 2013

Histórias que o Povo Tece - Contos do Marão

O título e o subtítulo desta colectânea apontam para o conteúdo dos contos que a constituem. Com efeito, privilegiou-se a ruralidade sobre a urbanidade, diga ela respeito à geografia física ou humana da região de Trás-os-Montes nos tempos em que imperavam a pobreza e a exploração. Pretende-se, com as efabulações que se esperam verosímeis, preservar, através da escrita criativa, uma identidade ameaçada e a desmoronar-se irreversivelmente. Protagonizam-nas gentes humildes, social e economicamente desfavorecidas, mas ricas em força de carácter, arreigamento às versas onde nasceram, espírito solidário, teimosia na manutenção de costumes e tradições, traços idiossincráticos coroados com a atávica e proverbial hospitalidade do – Entre Quem É, em que ninguém lhes leva a palma.


MARIA HERCÍLIA AGAREZ de Campos Marques nasceu em Vila Real em 1944. É professora aposentada do ensino secundário. É autora dos livros A Brincar que o Digas (crónicas) 2001, Miguel Torga: a Força das Raízes (ensaio) 2007, Histórias que o Povo Tece - Contos do Marão (2011) e co-autora da Antologia de A.M. Pires Cabral Aqui e Agora Assumir o Nordeste (2011). Está representada em várias publicações dos Serviços Municipais de Cultura de Vila Real – Revista Tellus , Histórias Tiradas da Gaveta, Pequeno Cancioneiro de Natal, Vila Real Histórias ao Café. Tem artigos publicados em inúmeras revistas culturais. Está representada em A Terra de Duas Línguas – Antologia de Autores Trasmontanos, 2011 e Uma Longa Viagem com Torga, de João Céu e Silva, 2007 (entrevista). Está representada com o título A Tia Ana Mocha e o Euro, A Terra de Duas Línguas II - Antologia de Autores Transmontanos - coordenada por Ernesto RODRIGUES e Amadeu FERREIRA, editor: Lema d’Origem Editora, Porto, 2013, p. 245-250. É estudiosa dos escritores Camilo Castelo Branco, João de Araújo Correia, Miguel Torga e Luísa Dacosta. Foi, de 1999 a 2011, colaboradora permanente do Jornal Notícias de Vila Real. É membro da direcção da Tertúlia João de Araújo Correia (Régua) e da Academia de Letras de Trás-os-Montes (Bragança). É sócia da Associação Portuguesa de Escritores.