O Tribunal da Relação de Guimarães (TRG) condenou por
violência doméstica um antigo presidente do Tribunal Administrativo e Fiscal de
Mirandela por "maus-tratos físicos e psíquicos" à companheira, que
incluem "a ausência de relações sexuais" durante 11 anos.
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O acórdão, a que a agência Lusa teve acesso nesta
quinta-feira, deu como provado que, além das agressões físicas e verbais, a
recusa de o arguido manter relações sexuais com a ofendida, com quem vivia em
união de facto, constitui "um factor atentatório da dignidade e da saúde
mental e social" da mulher, "que, pelo menos, tem um desejo sempre
manifestado de procriar".
"O facto de ao longo de 11 anos não ter mantido com a
ofendida relações sexuais de cópula completa (...) integra um grave e muito
intenso mau trato psíquico (...), não obstante saber, como ele próprio admite,
que a companheira ofendida sempre quis casar e ter filhos da relação que os
unia", sublinha o acórdão da Relação de Guimarães, datado de 3 de Julho.
O arguido, agora com 51 anos, e a ex-companheira,
actualmente com 42 anos, iniciaram uma relação em 1999 e em meados de 2001
começaram a viver juntos, no Porto. A 9 de Agosto de 2011, a mulher confessou
pela primeira vez a uma médica do centro de saúde de Mirandela "ser vítima
de violência doméstica" e que ainda "era virgem", sendo este
último facto provado por relatório clínico que consta dos autos.
A separação do casal ocorreu a 19 de Outubro de 2012, dia do
último episódio de violência que, por vezes, contemplavam "bofetadas,
pontapés" e empurrões "contra a parede e contra a cama".
"O recorrido [arguido] infligiu à vítima agressões
físicas e verbais atentatórias da sua dignidade de pessoa humana, humilhando-a,
achincalhando-a e fazendo críticas e comentários que, por si só, integram
maus-tratos psíquicos", frisa o TRG. Assim, os juízes desembargadores
concluem que o antigo juiz "infligiu maus-tratos físicos e graves e
reiterados maus-tratos psíquicos à ofendida", tendo assim cometido,
"sem dúvida, o crime de violência doméstica" que lhe estava imputado.
A 5 de Setembro do ano passado, o arguido havia sido julgado
e condenado pelo Tribunal de Bragança a uma pena suspensa de dois anos e onze
meses de prisão por adulterar o estado de dezenas de processos, passando-os
para concluídos, quando ainda não havia sentença, para "viciar"
estatísticas e "aumentar artificialmente" a sua produtividade. Nesse
julgamento, o juiz estava ainda acusado de violência doméstica sobre a antiga
companheira, mas o tribunal de primeira instância decidiu pela sua absolvição
deste crime, por considerar "a prova insuficiente".
Inconformada com a decisão, a defesa da ofendida interpôs
recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães, que veio agora reverter o
acórdão do Tribunal de Bragança e condenar o arguido a dois anos e três meses
de prisão pelo crime de violência doméstica, mantendo os dois anos e onze meses
de prisão pelos crimes de falsidade informática e abuso de poder, relativos à
adulteração dos processos.
O TRG determinou aplicar, em cúmulo jurídico (juntando as
duas penas), a pena única de quatro anos de prisão, suspensa na condição de o
arguido pagar à antiga companheira uma indemnização de 12 mil euros, no prazo
de um ano, "por danos morais".
Contactada pela Lusa, Leonor Valente Monteiro, advogada da
ofendida congratulou-se com esta decisão. "O acórdão ainda não transitou
em julgado, pelo que poderá ainda vir a ser alvo de recurso para o Supremo.
Tecnicamente, o arguido ainda se presume inocente. Mas considero ter sido feita
finalmente justiça. As vítimas têm de acreditar na justiça e lutar pelos seus
direitos até esgotadas todas as instâncias", afirmou a advogada.
Também contactado pela Lusa, Luís Noronha Nascimento,
advogado do arguido, diz que apenas foi notificado do acórdão na tarde de
quarta-feira e que ainda não teve oportunidade para analisar a fundamentação do
Tribunal da Relação de Guimarães.
O juiz foi suspenso em 2012 e tendo-lhe sido aplicada, dois
anos depois, a pena de demissão no âmbito de um processo disciplinar.
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