Arinda Andrés
Janeiro já se demorava a lavar os dias na luz branca e fina, ténue, a sumir-se no cinzento, opaco e denso do mês de Dezembro; e os passarinhos, em vagos e imprecisos voos, juntavam-se, tímidos e ainda inseguros, sob um azul do céu esbranquiçado, de fiapos ondulantes e acastelado de nuvens; era um dia frio de inverno, e o velho Tomaz, do Cimo do Povo, engolidas as duas garfadas de migas, à pressa, de taleiga pouco abonada, presa à cintura, caminhava, de rosto enterrado no chão, cosido na negrura da tristeza e da doença, ali pela Fonte Nova, de pedras húmidas, esverdeadas de uma manhã gelada, ainda encostada ao códão e aos sincelos do rigor do Inverno. Levava um mundo de canseiras e torturas a pesar-lhe nos ombros, submissos e acorrentados a um destino cruel e inevitável.
O Dr. juiz, de olhar atento a tudo e a todos, indagante, sempre, ali à porta de sua casa, um bigodinho fino, observava, sentindo, e tentando compreender, o despertar da aldeia, no subir e descer de escadas, as humides escaleiras de xisto, hoje gastas, tortuosas e velhinhas, que saudades, meu Deus!,no abrir e fechar da porta de casa, e da “loje”,no albardar das bestas, a engolir o tempo no bater das ferraduras nas pedras da calçada; tudo isto, próprio da azáfama das gentes, a viver pela terra e da terra, no mourejar árduo do dia-a-dia.(Continua nos comentários)
CONTINUAÇÃO:
ResponderEliminarE vendo assim o Tomaz, tão vergadinho de trabalho e de tristeza, exclamou, « Então onde vais, homem, com um frio destes e tão mal agasalhado, entregando-te assim às vergastas do códão e da geada?», levantando os olhos do chão e poisando-os nos do juiz, a beber a luz da coragem e da esperança para a vida, respondeu-lhe o velho Tomaz, num encolher de ombros conformistas: «Ó senhor Doutor Juiz, então,… vou ganhar a jeira. Tenho a mulher doente, de cama…». Era um dia frio, de inverno gelado. António Marcelino Durão, sustentava, num corpo frágil, o que toda a gente proclama ainda, uma alma grande e generosa!,a aragem fina e arrepiante, crestava a terra e a vegetação, rara e indefinida, a irromper por entre as pedras da calçada. Atónito e titubeante, um; firme, assertivo e determinado, o outro, ambos se olharam, olhos nos olhos, «Toma, homem, veste este casaco, e endireita-te, a ver se deitas a vida para a frente!». E compunha, passando as mãos generosas, useiras e vezeiras de boas práticas, em prol das necessidades dos fracos e desvalidos, o casaco de um juiz, nos ombros cansados e sofridos do velho Tomaz, como mãe a filho do coração extremado que, incrédulo, sem saber o que dizer ou fazer, permanecia atado na sua humilde condição de jornaleiro, mas enaltecido no abraço fraterno, solidário e amigo, de alguém tão distante da sovinice bolorenta e mesquinha de outro tempo!
Mas, já na soleira da porta, o Dr. juiz rodopiou, voltando-se de imediato , como arrependido de grandes e insanáveis males e, bem próximo do Tomaz, numa voz paternal, sem alarido, discretamente, metendo a mão ao bolsinho do colete, já que sem casaco ficara, acrescentou: «E toma lá, vai-te mas é para casa, para junto da tua mulher... e deixa lá a jeira!» Embasbacado, o velho Tomaz, do Cimo do Povo, apenas balbuciava:«Ó Senhor Doutor Juiz!... Ó Senhor Doutor Juiz!»
E entrou em casa, dizendo, numa expressão acalorada de bondade e de satisfação, Vai estar um rico dia! e eu até me esqueci do casaco; mas a verdade, é que, a mim, não me faz falta. Boquiaberta, a criada, a Senhora Ana, logo tudo adivinhou; e, maquinalmente, tentava compreender aquele vício, de ajudar os outros, de dar, sempre, mais do que lhe pediam; e não percebia, viria a entender, mais tarde!...
O juiz, serenamente, encaminhou-se para o seu quintalzinho, no costume,e já arreigado hábito de, a pouco e pouco, ir limpando as ervas daninhas, para que as boas sementes, livremente, despontassem ao longo da vida!
Arinda Andrés, A CASA DA PARREIRA
Grande texto!
ResponderEliminarCada vez mais saborosos os textos da Tininha.Obrigada pelos minutos de puro prazer que me deu a sua leitura.
ResponderEliminarUma moncorvense
que texto delicioso... muito bem escrito, vou procurar um retrato desse juiz deverá haver algum por aí.
ResponderEliminarObrigada a todos vós!
ResponderEliminarA casa daparreira é o terceiro texto sobre o tema
Uma história comovente . Um texto belíssimo!
ResponderEliminarTininha: aqui lhe fica um grande abraço .
Júlia
Senhor Paulo Patoleia por favor encontre uma fotografia deste senhor.Uma história bem escrita.Tem algum livro com estas história que aqui aparecem ?Se tem, diga,gostava de comprar um.
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